Para encontrar um precedente que se possa vagamente equivaler ao que aconteceu ontem à noite no debate entre Donald Trump e Hillary Clinton há que recuar 48 anos. E a um candidato que nem sequer concorria por um dos dois grandes partidos que dominam a cena política norte-americano. George Wallace era um segregacionista do Sul, um político cheio de expediente, rejeitado pelo seu partido de origem (democrata) e que concorria às eleições presidenciais de 1968 sob a etiqueta de um terceiro partido independente. E sobretudo não foi ele, mas o seu companheiro de lista e candidato à vice-presidência, o famoso general Curtis LeMay, que cometia gaffes de substância (só) vagamente comparável às cometidas ontem em pleno debate por Donald Trump: Lemay falava tão casualmente do emprego das armas nucleares para resolver as questões em que os Estados Unidos estavam então envolvidos (sobretudo a Guerra do Vietname), que o próprio George Wallace se via na emergência de esclarecer as palavras do general (abaixo). O general podia conceber a guerra nuclear como uma trivialidade mas a sociedade em nome da qual ele se dispunha a travar essa guerra não considerava o fenómeno assim tão trivial...
Se a atitude e o olhar de Wallace no vídeo acima não é dos mais satisfeitos enquanto disciplina o seu desbocado parceiro de candidatura, para piorar as coisas, tal como elas se apresentam agora em 2016, Donald Trump não é o candidato à vice-presidência e não pode ser disciplinado à frente das camaras. Embora o seu parceiro de candidatura possa dissociar-se dele. Mas, sobretudo, este candidato ao cargo de presidente não se está a apresentar às eleições por um partido marginal, que se contentará (e contentou) com algumas vitórias num punhado de estados sulistas. Donald Trump representará (representaria?) a aposta da facção conservadora norte-americana para as eleições presidenciais de 2016. A minha constatação é que, à custa de o vermos ir cilindrando vários princípios de sã convivência democrática, parece ter-se estabelecido um certo acanhamento por parte da comunicação social em assinalar quando ele ultrapassa as fronteiras do admissível. Fê-lo ontem quando prometeu que, quando presidente, iria nomear um procurador especial para investigar os famosos e-mails de Hillary Clinton e outros potencias delitos que tivesse cometido; e quando ela expressou ironicamente alívio por a responsabilidade da aplicação da justiça não estar a cargo de alguém com o temperamento de Trump, a resposta deste foi: É que aí estaria na prisão. Seguiu-se um fuzuê da assistência de sentido impreciso (abaixo).
Com poucas excepções, não vi o episódio noticiado com o destaque que merece. Depois disto, se estivesse na posição de Hillary Clinton, e porque para o último debate ninguém já se atreverá a excluir que Trump possa ainda evoluir para o modelo grego ainda mais vivaz de debater as questões, eu prescindiria do debate por uma questão de dignidade. Está em disputa a presidência dos Estados Unidos e a candidata há muitos anos que a cobiça, mas creio que a vitória está ao seu alcance sem que seja preciso sujeitar-se a tudo...
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