Durante os meus sete anos de Colégio Militar terei ouvido, aprendido e usado centenas de alcunhas. Ainda hoje preciso de me disciplinar interiormente para tratar mais civilmente alguns dos meus amigos daqueles tempos. Trava-se - e creio que travamos todos, aqueles que lá andámos, nos casos das alcunhas populares que pegaram de estaca - um combate entre aquilo que é genuíno e aquilo que é conveniente. Mas o que eu queria aqui realçar, a propósito dessas alcunhas, é quando se descobre retroactivamente e ao fim de décadas, a sofisticação que acompanhava algumas das alcunhas que então usávamos, inconscientes que estávamos do seu mais profundo significado. Científico, como era o caso do Sapropel. O Sapropel aparece nesta fotografia acima, mas tive o cuidado de não o identificar e como, por outro lado, suspeito que actualmente tem uma aparência muito diferente, confio não estar a ser indiscreto. O seu anonimato estará praticamente garantido. O camarada que o baptizou é que era cá duma erudição, pois o sapropel, é uma palavra que resulta da «contração das palavras em grego sapros e pelos, que significa putrefação e lama, respectivamente». Trata-se de um «termo usado na geologia marinha para descrever sedimentos de cor escura que são ricos em matéria orgânica». Este «evento anóxico oceânico» produz uma matéria não muito agradável ao contacto. Tratava-se portanto de alguém com uma reputação vincada de manter relações difíceis com o saco de banho, a saboneteira, o shampoo, enfim, os produtos de higiene em geral, mas uma atitude corrigível que não era rara de encontrar na difícil adaptação dos anos iniciais de Colégio. Mas o que, ao fim de todos estes anos, torna o Sapropel diferente do Javardo e do irmão, o Javardinho, foi a capacidade de nos ter incutido desde tenra idade, que o sapropel era algo intrinsecamente sujo, embora sem sabermos concretamente do que se tratava. São estes os bons alicerces de uma sólida cultura geral.
Os colégios - sobretudo os masculinos - são propensos a estas coisas. Do que eu frequentei - um de padres, em Lisboa -, e já lá vão mais de trinta anos, ainda me lembro perfeitamente das figuras e das alcunhas, entre muitas outras, do “Camaleão”, do “Zobaida”, do “Rato”, do “Macaco”, do “Fezes” (um “Sapropel” bastante explícito…), do “Bolinhas”, do “Olex”, do “Napoleão”, do “Toupeira”, do “Chinês”, do “Canicha”, do “Pulguinha”, do "Bacalhau" e de muitos outros. De alguns destes, até já me esqueci dos seus nomes verdadeiros, persistindo no entanto as suas alcunhas na minha memória.
ResponderEliminar