25 outubro 2016

O «VERDE DA CARRIS»

Numa época em que se consagraram e se tornaram moda, as evocações ao amarelo da Carris, permitam-me esta evocação ao seu parente pobre, menos folclórico, o verde da Carris, os autocarros de dois andares que, entrados ao serviço em 1947, foram por três décadas o emblema do transporte rodoviário dentro de Lisboa. Cresci com eles. Impressionavam. Desde logo pelo assustador roncar ritmado dos motores quando se encostavam a nós as paragens onde os aguardávamos, motores em cima dos quais se empoleirava o condutor como se estivesse num aquário, nesses anos em que conduzir era ainda uma forma de os trabalhadores se diferenciarem. A comunicação com o picas (quem? - perguntarão as gerações mais novas), o seu colega que, no interior, estava encarregue de vender e picar os bilhetes, processava-se em código: para arrancar depois de todos os passageiros terem entrado, duas batidas com o alicate dos bilhetes numa das inúmeras superfícies metálicas do autocarro, fossem os varões ou as pegas nas costas dos assentos. Mas era a entrada, à retaguarda e aberta, como se vê na fotografia acima, que lhe conferia toda uma outra personalidade no universo dos autocarros. Aliás, houve outros modelos de autocarros de dois andares cujas portas se fechavam quando em andamento e com isso se perdia todo o carisma da viatura. É fácil de imaginar o que acontecia às horas de ponta, onde o com-jeitinho-há-sempre-espaço-para-mais-um fazia com que se formasse um cacho de pessoas ajoujando o autocarro e adernando-o para trás e para a direita. Assustava mas não era nada de grave, que os autocarros estavam preparados para adernar lateralmente até 35º. Com um roncar ainda mais resfolegante, quase asmático, o autocarro lá partia, como se se tratasse de um navio estivado de forma negligente. Claro que anos e décadas desse tratamento depois se pagavam: tanta fora a carga suportada pela (mais frágil) plataforma traseira que ela começava a ceder e o grau de inclinação em relação à horizontal tornava-se uma boa medida dos anos de serviço e da veterania do autocarro. No caso da fotografia acima, por exemplo, o autocarro terá sido posto ao serviço em 1962/63 e, pela condição da plataforma, a fotografia foi tirada muito poucos anos depois disso, certamente ainda na década de 60.

3 comentários:

  1. Ainda hoje, tenho tantas saudades destes autocarros. Na minha memória olfactiva continua bem presente o cheiro a gasóleo queimado que os mesmos exalavam - Creio que a qualidade dos transportes públicos em Lisboa se degradou irremediavelmente quando os retiraram - e, com eles, foi também uma certa imagem romântica de Lisboa, que se firmou no quarto de século que decorreu entre 1950 e 1975, que terminou.

    A título de curiosidade, recorde-se que os dois andares em Lisboa eram verdes, no Porto vermelhos, em Coimbra amarelos e em Luanda azuis.

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  2. Esta matrícula - série 18 - é de início dos anos 50 (1951?) e não de 62/63.

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  3. É possível que seja como diz, o que tornaria a fotografia mais antiga do que inicialmente a datei - meados da década de 50.

    Note-se que tive o cuidado de verificar as letras da matrícula (EI) e foram essas tabelas que me forneceram a data de 1962/63.

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