27 outubro 2016

E AS PERSPECTIVAS DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NORTE-AMERICANAS... (5)

Quem tem acompanhado o mapa dos Estados Unidos que aqui se tem publicado a ilustrar como se apresentam as perspectivas das próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos aperceber-se-á que o número de estados coloridos a cinzento (indecisos) aumentou desde a última vez. Estados em que a vantagem parecia substantiva (superior a 3%) para um dos candidatos no cálculo do conjunto das sondagens, tornaram-se mais disputados. Liderando, Hillary Clinton foi a mais penalizada com essa recessão nas intenções de voto (Florida, Ohio, Carolina do Norte ou Nevada), mas o fenómeno também se propagou a estados que estavam a cair para Donald Trump, como a Georgia ou o Alaska (que não aparece neste mapa). Um caso marginal mas curioso é o que estará a ocorrer no estado do Utah, onde a maioria da população é mórmon: na ausência de se disporem a escolher entre um candidato que é uma mulher e um outro que é um mulherengo, os eleitores tradicionalmente conservadores daquele estado estão a anunciar optar em cada vez maior número por um terceiro candidato de última hora chamado Evan McMullin. Para já superou Hillary como rival mais bem colocado para roubar a vitória a Trump no Utah. E o destaque já se propagou, embora com menos exuberância, ao estado vizinho do Idaho. Se acontecer que um terceiro candidato presidencial vença nalgum estado, será algo inusitado e que não acontece desde 1968. No computo global, nas contas que continuo elaborando e de que aqui tenho dado conta, Hillary Clinton conta ainda com 273 delegados virtuais, o que representa ainda a maioria absoluta e a vitória, mas representa um recuo de 39 delegados desde a minha última contagem de há 11 dias; Donald Trump também perdeu 19 delegados, agora tem 161 delegados sólidos e o que mais que duplicou foram as dúvidas, de 46 para 104, representantes dos agora oito estados considerados indecisos. Será um bom motivo para que nos estampidos que regem o mainstream da comunicação social norte-americana haja agora uma oportuna reviravolta na sinusoide que já se preparava para anunciar a consagração eleitoral de Hillary Clinton. Ainda bem porque seria um anúncio excessivo. Faltam pouco menos de duas semanas para o dia das eleições e já se percebeu que a candidata democrata não é pessoa que cative eleitorado, é mais o seu rival que o afugenta, e por isso a vitória, que permanece muito provável, não deverá, ainda assim, ser esmagadora.
Porém, é engraçado como simultaneamente com as movimentações maciças da opinião publicada, o volume de informação à volta das eleições presidenciais norte-americanas se torna tao pletórico que se pode elaborar sobre o cenário político que se quiser. Ainda hoje consegui ler em defesa da tese de um hipotético regresso de Trump ao jogo que «As sondagens apontam uma nova aproximação de Trump a HC, agora na margem dos 3/4%. Trump volta a estar à frente da HC na Florida por 2%». Por acaso e no que diz respeito ao disputadíssimo estado da Florida, só nos últimos nove dias foram publicadas nada menos que 7 sondagens: e Hillary Clinton (HC) aparece em 5 delas em vantagem, noutra registava-se um empate, e só na sondagem da Bloomberg a vantagem ia para... DT (Donald Trump). Há que constatar quanto foi pontaria a do nosso opinador para só ter dado por essa. Com tal riqueza de informação, consegue-se construir um ecossistema compatível com as nossa convicções, qual aquário para peixes tropicais e das cores que nós quisermos. E opina-se de acordo com isso até ao desmoronar das ilusões. Ainda ontem um colunista do Observador recordava, a propósito de um texto seu, um episódio que eu desconhecia, ocorrido quando da cobertura pela Fox News das eleições presidenciais de há quatro anos. Quando se anunciou a vitória de Obama no estado do Ohio, o resultado equivalia à confirmação definitiva da sua reeleição. Em estúdio, parecia que algo colapsara e ficou tudo com um ar de não saber o que fazer a seguir.

Mas cedo a descrição a quem terá assistido à cena em directo: «Já há várias semanas que toda a gente sabia que Obama era o muito provável vencedor. (...) Mas quem ia seguindo os órgãos de comunicação republicanos percebia que eles sempre davam como adquirida a vitória de Mitt Romney. Muitas vezes faziam debates discutindo se Obama ainda tinha algumas hipóteses de ganhar. Basicamente, viviam no seu mundo. Apenas olhavam para as sondagens feitas pelos órgãos de comunicação alinhados à direita e todas as que eram organizadas ou encomendadas pelos outros órgãos, como, por exemplo, o New York Times, a CNN ou a NBC, eram vistas como uma tentativa de manipulação de informação.» A culminar o embaraço, «alguns dos comentadores entraram em estado de negação. Karl Rove, que tinha sido o grande arquitecto das vitórias eleitorais de George Bush, chegou mesmo a desafiar os analistas da Fox News, argumentando que estavam a fazer mal as contas e que tinham sido precipitados a declarar a vitória de Obama. A coisa foi tão ridícula que a pivot teve de ir em directo falar com os analistas para estes poderem responder a Karl Rove.» Inconformado e mesmo depois das explicações, como um último moicano, Karl Rove chegou a ir buscar o episódio da Florida de 2000...

Ou seja: engana-se quem deduzir que, com o aproximar da data das eleições, as opiniões dos analistas tenham tendência para confluir num mesmo desfecho. Pode não acontecer. Quanto muito, torna-se mais fácil identificar quais serão as opiniões mais delirantes. Mas os verdadeiros desfechos parece-me que continuarão reservados para a noite eleitoral.

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