Fala-se do Verão Quente de 1975 mas, à entrada para o Outono, só a reconstituição posterior dos acontecimentos (que acabou por vingar na narrativa adoptada) permite agora recontá-los, mostrando que os momentos cruciais do PREC já tinham tido lugar com o afastamento de Vasco Gonçalves na Assembleia do MFA em Tancos a 5 de Setembro. Um mês depois, a 7 de Outubro de 1975, com a publicação deste manifesto dos «trabalhadores intelectuais» que orbitavam à volta do PCP, o Diário de Lisboa dava expressão ao que eles pensavam da evolução mais recente da situação política portuguesa. É um documento de época, mas precisamente por isso, por não se encontrar depurado, é um excelente mostruário das paixões políticas mas também, por conhecermos como veio a ser o futuro de muitos dos que então o assinaram, da natureza humana.
«A defesa intransigente das conquistas da Revolução, nomeadamente as nacionalizações e a Reforma Agrária, que obviamente não poderão consolidar-se sem o controlo da produção pelos próprios trabalhadores» é um dos objectivos imediatos do Movimento Unitário dos Trabalhadores Intelectuais para a Defesa da Revolução, enunciado pelo seu manifesto, ontem divulgado em conferência de Imprensa realizada na Sociedade Nacional de Belas Artes.
Conscientes das contradições inerentes à fase actual do nosso processo revolucionário, nomeadamente no seio do VI Governo, «onde estão largamente representadas forças comprovadamente contra-revolucionárias», cerca de quatro centenas de escritores, jornalistas, médicos, advogados, actores e outros trabalhadores intelectuais subscreveram este manifesto, que aponta como objectivos imediatos, além do já citado:
«A defesa das liberdades fundamentais da pessoa humana, tal como se acham consignadas na Carta das Nações Unidas, de modo a evitar-se que, em quaisquer circunstâncias, elas sejam ameaçadas;
O repúdio absoluto da social-democracia, na medida em que este sistema político mais não é do que uma das formas de que se reveste o capitalismo, a exploração do homem pelo homem, e ainda porque, não tendo tal esquema qualquer viabilidade prática em Portugal, mais não seria do que um trampolim para o regresso ao fascismo e à mais violenta repressão;
O repúdio claro e vigoroso de todas as manobras contra-revolucionárias que, servindo-se de uma forma ou de outra da pretensa “democracia pluralista”, possam pôr em causa as conquistas concretas da revolução portuguesa em direcção ao socialismo;
A convicção de que a fase do actual processo revolucionário em curso não consente por muito tempo a conciliação de exploradores e explorados, na medida em que só pela repressão se pode conciliar o irreconciliável; a eventual repressão tem já tendência a ser contra as classes trabalhadoras e as mais desfavorecidas; pelo que à repressão contra-revolucionária devem os trabalhadores responder com a violência revolucionária;
A institucionalização da vigilância popular em organismos unitários e nacionais para a defesa da revolução;
O reforço do poder popular, através de todas as suas organizações, criadas e a criar, nas quais este Movimento entende dever enquadrar-se.»
E, a terminar, afirma-se no manifesto, lido pelo dr. João de Freitas Branco, antigo director do Teatro de São Carlos e ex-secretário de Estado do V Governo:
«Vivemos uma revolução com a qual têm tudo a ganhar, desde logo, os trabalhadores no caminho da sua liberdade, o socialismo. Mas por isso mesmo, aqueles sectores sociais, tais como a pequena burguesia e muitos sectores da média burguesia, com ela também se libertam dos maiores exploradores do País, que igualmente os oprime.
Pelo exposto, concluímos que, na actual fase do processo revolucionário, se deverá apontar, decidida e decisivamente para a luta de classes – definida esta no momento actual pela intransigente oposição ao monopolismo e ao imperialismo – e isto através da indispensável unidade de todas as forças consequentemente progressistas e do reforço crescente dos órgão do poder popular a todos os níveis: operários, camponeses, pescadores, soldados, marinheiros, e outros trabalhadores entre os quais nos incluímos.»
A partir de hoje o M.U.T.I.D.R. passa a realizar sessões públicas todas as terças-feiras. Às 21e 30 horas na Sociedade Nacional de Belas Artes para que “os trabalhadores intelectuais, publicamente, debatam os assuntos mais graves da conjuntura política e social portuguesa».
Pelo exposto, concluímos que, na actual fase do processo revolucionário, se deverá apontar, decidida e decisivamente para a luta de classes – definida esta no momento actual pela intransigente oposição ao monopolismo e ao imperialismo – e isto através da indispensável unidade de todas as forças consequentemente progressistas e do reforço crescente dos órgão do poder popular a todos os níveis: operários, camponeses, pescadores, soldados, marinheiros, e outros trabalhadores entre os quais nos incluímos.»
A partir de hoje o M.U.T.I.D.R. passa a realizar sessões públicas todas as terças-feiras. Às 21e 30 horas na Sociedade Nacional de Belas Artes para que “os trabalhadores intelectuais, publicamente, debatam os assuntos mais graves da conjuntura política e social portuguesa».
Fernando Lopes Graça manifestou o desejo de que essas reuniões sejam mais concorridas: «Até agora – e já fizemos três – temos tido grande participação dos intelectuais. Gostaríamos que os outros, os que não se consideram intelectuais, também viessem, para discutirmos todos estes problemas em conjunto».
Pretende-se, segundo acrescentou Casimiro de Brito, «destruir as barreiras entre os trabalhadores intelectuais e manuais», mantendo o País informado das conclusões através dos meios de comunicação social ao seu alcance. «Se, por qualquer razão, tivermos dificuldade em obter o apoio dos órgãos de comunicação, faremos panfletos, vamos para a rua, vamos para o campo. O que não podemos é consentir que haja um milímetro de recuo na revolução portuguesa».
Entre os aderentes ao Movimento Unitário dos Trabalhadores Intelectuais para a Defesa da Revolução contam-se: Maria Lamas, José Gomes Ferreira, Fernando Lopes Graça, Óscar Lopes, Armando de Castro, Isabel da Nóbrega, Bernardo Santareno, Blasco Hugo Fernandes, Duarte Vidal, E. M. de Melo e Castro, Fernando Luso Soares, João de Freitas Branco, Luís Francisco Rebelo, Pedro Ramos de Almeida, Sérgio Ribeiro, José Viana, Carlos Porto, Alexandre Babo, Artur Semedo, Carlos Paredes, Artur Ramos, Correia da Fonseca, Mário Castrim, Alexandre Cabral, Manuel Gusmão, Carlos Pinhão, Maria Velho da Costa, Fernando Grade, José Carlos Ary dos Santos, Manuel da Fonseca, Baptista Bastos, Jacinto Batista, Pedro Alvim, Alice Nicolau, Manuel de Azevedo, Luís Filipe Costa, Luís Sttau Monteiro, Rogério Paulo, José João Louro, Ermelinda Duarte, António Montez, Henrique Viana, Francisco Nicholson, Fernando Tordo, Henriqueta Maya, Maria do Céu Guerra e Macaísta Malheiros.
À distância, esta tentativa de descer do Olimpo torna-se uma caricatura. Mas confesso que ainda hoje o que mais me intriga é o fascínio acrítico que este género de pessoas desenvolve pelos totalitarismos.
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