06 outubro 2016

ENGANEI-ME REDONDAMENTE

Enganei-me redondamente. Afinal, António Guterres vai ser o próximo secretário-geral da ONU. Há uma prevalência histórica das práticas ocultas da diplomacia que me leva sempre a apostar por prudência no lado negro da força. Acerta-se na maioria das vezes mas há outras em que se perde. Como aconteceu desta vez. Convém contudo recordar que a história estava do meu lado, que aquelas mesmas práticas ocultas haviam permitido eleger há 45 anos, com o beneplácito de norte-americanos mas também de soviéticos, um diplomata austríaco¹ (Kurt Waldheim) com um mais do que equívoco passado durante a Segunda Guerra Mundial. Se calhar, aqueles que estavam convencidos de que desta vez ainda iam a tempo de reverter o novo regime aberto de avaliação dos candidatos, cometeram um clamoroso erro de avaliação. E também invocaram o santo nome da Rússia em vãoe eu acreditei ... Vê-se agora que, se a Rússia estivesse mesmo interessada em explorar uma outra solução que não Guterres, ainda teríamos conversa para, pelo menos, mais umas semanas.

Como a conquista do campeonato europeu de futebol em Julho passado, a eleição de António Guterres é um daqueles acontecimentos importantes em Portugal, mas o que eu mantenho é as mesmas dúvidas que já aqui havia expresso que isso seja um acontecimento importante para Portugal. Trocava-o de muito bom grado e de coração leve por outras taxas de crescimento económico para o nosso país. Só que os assuntos não são permutáveis. Mas num universo em que me vejo acompanhado nas redes sociais por quem costuma mostrar-se de uma presciência cristalina – ou, como dizia Álvaro de Campos no seu Poema em Linha Recta, Nunca conheci quem tivesse levado porrada, Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. – tomei por natural e para contraste aqui vir confessar este meu engano evidente: António Guterres vai tornar-se o próximo secretário-geral da ONU². Só espero mesmo que não seja no turno dele que os extraterrestres nos venham visitar, para que ele não tenha que decidir... Isso já sabemos que não é o seu forte.

¹ E, já agora, recordar que a Áustria era um dos poucos países europeus considerados neutros, não pertencia nem ao Ocidente nem à Europa Oriental. Esta coisa do secretário-geral ter de pertencer por rotação a um dos blocos virtuais da ONU era uma tradição rígida que tem dias... para ser invocada. Aliás, a eleição de Guterres acabou de a desmentir.
² E, por se falar em proximidade e familiaridade com o secretário-geral da ONU, quantos se lembrarão ainda que Javier Pérez de Cuéllar tinha uma filha que residia em Portugal, onde ele vinha com alguma regularidade passar as férias de Natal?

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