26 outubro 2016

OS ESPIÕES TAMBÉM PODEM TER AMIGOS E A ALEMANHA NEM SEMPRE É UM ESTADO DE DIREITO

Discreto e curiosíssimo este anúncio publicado numa página interior (22) da edição do Diário de Lisboa de 18 de Outubro de 1968. O major Silva Pais (o director da PIDE) e um grupo de amigos mandam rezar missa pelo eterno descanso do general Horst Wendland, recentemente falecido em Munique. O alemão, grande admirador de Portugal, fora um antigo oficial da Wehrmacht, mas tornara-se num executivo do ramo das informações depois da guerra e ocupava o cargo de subdirector do BND (o serviço de informações da Alemanha Federal) quando do seu suicídio com uma arma de fogo, ocorrido dez dias antes da publicação deste anúncio. É um detalhe que não consta, como seria de esperar, da notícia, mas os amigos portugueses de Wendland também só conheciam então a versão oficial para as causas daquele gesto: Wendland teria ficado despeitado, ofendido e deprimido por ter sido ultrapassado na sucessão ao cargo de director do BND. Outros acontecimentos tornaram essa versão simplista muito menos plausível: algum tempo antes, um desertor checoslovaco chamado Ladislav Bittman* denunciara uma lista de toupeiras do StB (serviços de informação checos) dentro dos serviços alemães e o suicídio de Horst Wendland foi apenas o primeiro de uma lista de acidentes que aconteceram a um sortido de altos funcionários alemães no período de algumas semanas: o almirante Hermann Lüdke, que também se suicidou, mas com uma caçadeira; Hans-Heinrich Schenk do ministério da Economia, que se enforcou; Edeltraud Grapentin, dos serviços de Imprensa federais que, como apropriado para uma senhora, se matou com uma overdose de comprimidos; o coronel Johannes Grimm que, à coronel, se suicidou com um tiro; e Gerhard Böhm, finalmente, do ministério da Defesa, que se afogou no Reno. Os acontecimentos não passaram desapercebidos à imprensa, mas a comissão parlamentar de inquérito formada para os investigar conseguiu a proeza de não descobrir nada(!). De todo o episódio extraíram-se duas grandes conclusões: a) que o aparelho do Estado Federal Alemão estava profundamente infiltrado de espiões (e isso viria a confirmar-se quando em 1974 se veio a descobrir um que até era o confidente mais próximo do próprio chanceler Willy Brandt); b) que esse mesmo aparelho não se ensaiava nada de proceder a execuções extrajudiciais (e isso viria a confirmar-se quando em 1977 os líderes do grupo terrorista Baader-Meinhof apareceram suicidados enquanto presos).
 
* Recorde-se que a invasão soviética da Checoslováquia ocorrera em Agosto de 1968.

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