Se atentarem na capa desta História da Restauração 1814-1830 que aparece acima, aperceber-se-ão que se trata de um pormenor do mesmo quadro de Jean-Louis Ducis que comentei na primeira parte, mas com um particularidade curiosa: o editor inverteu a disposição da cena. Apenas posso especular sobre as razões para o ter feito, mas o resultado resulta para mim simbólico. Este livro de História da Restauração relata sobretudo a história política dessa Restauração e é, simultaneamente, um instrutivíssimo livro sobre ciência política. Porque o regime que vigorou em França durante aqueles dezasseis anos veio a revelar-se-me uma subversão de algumas ideias adquiridas que interiorizara antes de o ler. Uma delas era a ideia de que os monarcas do século XIX eram consistentemente mais retrógrados que o pessoal político dos países onde reinavam. E contudo não acontecia assim com Luís XVIII que se mostrava muito mais moderado e pragmático do que a classe política francesa do seu reinado (1814-1824). Esta última, onde pontificavam as grandes figuras da nobreza que, como o rei, se haviam exilado durante o período de 25 anos que vai de 1789 a 1814, sentir-se-ia muito mais representada pela pessoa do irmão mais novo do rei e seu sucessor como Carlos X (1824-1830). Porém, é a própria essência do legitimismo que os impediria de fazer algo no sentido de afastar Luís XVIII em prol do seu irmão. Era contrariada que essa classe política se submetia às evidências de que o regime não podia ser uma cópia do absolutismo que existira até 1789. A monarquia da Restauração era regida por uma Carta Constitucional, outorgada por Luís XVIII em 1814, onde se consagrava a existência de eleições para uma Câmara de Deputados, embora as condições exigidas para se ser eleitor e eleito fossem - como era comum na época - fortemente restritivas. Daqui resultava que, não raro, a composição (e a consequente atitude) dessa Câmara era mais radicalmente reaccionária do que as intenções do poder executivo representado pela vontade do rei (Luís XVIII). Ou seja, porque as forças conservadores levavam vantagem nas urnas, houve assembleias eleitas que, por serem ultra-realistas, ainda eram mais defensoras dos privilégios reais do que o próprio rei! (Uma subversão da lógica a justificar a capa invertida acima) E engraçado, esses absolutistas de então, divididos entre as suas convicções políticas profundas (onde não se atribuía qualquer valor à representação popular) e o órgão político onde possuíam mais força, optaram por deixar os seus princípios para outras ocasiões mais propícias e combater politicamente a facção mais moderada e liberal do regime no parlamento onde se sentiam em vantagem. Em política prática, as convicções das facções apenas existem conforme as circunstâncias. No caso da Restauração francesa dá-se a curiosidade disso acontecer com quem não é muito habitual.
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