16 outubro 2016

BATER NO FUNDO

Quando, no futuro, se vier a fazer a história de Portugal destes últimos anos é capaz de se vir a constatar, apesar da subjectividade inerente a opiniões deste género, que o período mais negro do (mau) ciclo económico português do século XXI não terá coincidido com os meses próximos ao pedido de resgate de Abril de 2011. Terá acontecido dois anos depois. Mas também, na época em que essa ideia se vier, eventualmente, a consolidar, a sua constatação será irrelevante para as ambições de José Sócrates...
Se recuperarmos algumas das notícias que então se publicavam na Primavera de 2011 (acima), percebia-se que a Oposição mostrava possuir um programa de acção, antes e depois de ganhar as eleições e ao chegar ao governo. E as notícias não eram boas, como anunciava Vítor Gaspar, que a recuperação só se iria verificar dali por dois anos. Mas, se bem me recordo, havia a disposição de fazer os sacrifícios, porque existia a aparência de se saber o que se estava a fazer e o que se queria atingir - nessa época os socialistas estavam completamente dormentes de culpa e a questão ideológica do que se queria atingir - um modelo claramente liberal - quase nem se punha. Iria ser um tratamento doloroso, decerto, mas com resultados prometidos a prazo.
Ter-se-á batido no fundo quando se atingiram e se queimaram vários desses prazos e nenhum dos resultados prometidos se concretizou. Hoje há um certo esquecimento de como na Primavera de 2013 Vítor Gaspar era um homem isolado (acima), entregue às suas folhas de excel, cujos erros de previsão se haviam tornado numa piada corrente. Nessa altura sim, ao contrário do que acontecera dois anos antes, desaparecera a esperança, porque se pareciam ter esgotado as alternativas - também por culpa da propaganda política governamental que proclamava que não existiam. Convém recordar o que dizia nesse mesmo mês de Março de 2013 um comentador tradicionalmente contido como António José Teixeira, reagindo ao anúncio de uma taxas de desemprego perpétuas de 18% (na verdade até 2016), prometidas pelas folhas de cálculo de Vítor Gaspar:

Clara de Sousa - O desemprego, como sabemos, vai continuar a agravar-se, o ministro das Finanças (Vítor Gaspar) fala nomeadamente num pico de 19%. Politicamente, como é que se resiste a esta calamidade?
António José Teixeira - Não sei como se resiste. Sei que esta é uma confissão de um fracasso, de um fracasso absoluto. Quando Cavaco Silva há pouco dizia que esta recessão envergonha a Europa, estes resultados que hoje ouvimos pela boca do ministro das Finanças envergonham Portugal e envergonham o governo português. E esta é a realidade. E é uma realidade, no que toca ao desemprego, (que) tem, nestes números, um escândalo que nos devia fazer pensar bastante. Quando olhamos para os números, o desemprego está nos 18%, a previsão para 2013 é 18,2%, 2014 18,5% (já o lembrámos aqui no jornal da noite), 18,1% em 2015, em 2016, na previsão 17,5%, ou seja, ainda na ordem dos 18%... Mas, então este caminho serve para quê?Esta austeridade, repetida, continuada, prolongada, serve para este nível de desemprego? Isto é a confissão de um fracasso e de um fracasso continuado que, pelos vistos, continua nas folhas de excel previsto para os próximos anos!
- A oposição pede a demissão seja do ministro das Finanças, seja do governo. Isso iria resolver alguma coisa neste momento?
- Não sei se iria...
- As pessoas estão nas ruas em protesto a pedir a saída do governo...
- Provavelmente pouco. Eu acho que o problema português, e o problema europeu (que não está descolado do problema europeu), é obviamente mais fundo. O sistema político está desacreditado profundamente. As pessoas têm muitas dúvidas sobre o seu representante, sobre as alternativas que se colocam, sobre se, para isto tudo, além do protesto nas ruas, na assembleia da República, surge alguma coisa de novo.
- Uma moção de censura do PS teria relevância política? Ou não perante a maioria?
- Teria um sublinhado político mas eu acho que o grande problema, Clara, há pouco falávamos do presidente da República, António Vitorino chamou a atenção para isso há poucos dias, o presidente da República deixou passar quatro revisões do memorando da tróica sem exigir, e ele tinha capacidade política para o fazer, que este compromisso, estas quatro revisões do memorando da tróica, deveriam ter o compromisso, o envolvimento do partido socialista.
- Esta reacção é tardia?
- Esta reacção é tardia. Dizer que já disse há bastante tempo e disse que há um limite para os sacrifícios quer dizer o quê? Hoje foi dito pela voz do governo que os sacrifícios são para continuar por muito mais tempo que aquele que pensávamos. E que afinal não vão valer a pena. Porque vamos fazer sacrifícios para ter em 2016 cerca de 18%. E se continuar a haver engano nos números estes 18% podem ser, ou estes 17,5 podem ser muito mais do que as previsões apontam. E isso é a confissão de um fracasso. Isso quer dizer que é preciso refundar o sistema político em Portugal, pensar que o nosso programa político não é apenas o programa político da tróica. Cavaco tem razão quando diz que é preciso pensar na produção, ou seja, o governo não serve apenas para executar um programa dos nossos credores. Serve para desenvolver o país, para o pôr a produzir mais, e não temos visto nada disso, nem sequer o sublinhado dos bons exemplos.
- ...da esperança.
- A esperança é uma palavra vã no meio disto tudo. As pessoas já não acreditam muito nisso. Mas queriam que os políticos tivessem a coragem de sublinhar que há coisas importantes que se podem fazer. Com menos burocracia. Neste mesmo jornal, Clara de Sousa, há poucos dias mostrámos uma reportagem em que algumas pessoas que se dedicam à...
- ...à aquacultura.
- ...aquacultura estão à espera de licenças. A burocracia aumentou. Ora isto não é preciso nenhum programa da tróica. É preciso inteligência e é preciso sublinhar que o governo tem obrigação de governar e de desenvolver o país. De o pôr a produzir mais, a exportar mais e isso é muito mais do que executar programas ou mostrar folhas de excel que revelam um fracasso absoluto destas medidas.
- Obrigada, António José Teixeira.
Passaram-se entretanto três anos e meio e é possível ver o que aconteceu com outro distanciamento. Percebe-se agora que a famosa demissão irrevogável de Paulo Portas (já em Julho), permitiu desviar as atenções do ambiente pesadíssimo que se vivera durante a primeira metade do ano, a situação política e social era bastante tensa nessa Primavera de 2013, aliás, a esquerda da cacetada farejava-o, e marcava os seus alvos mais evidentes, a começar por Miguel Relvas, continuando com Vítor Gaspar. Mas, como se vê pela análise de António José Teixeira, mesmo entre os moderados (apoiantes e críticos) havia uma enorme saturação com o que ele descreve como um enorme fracasso. Mesmo sem existirem alternativas radicalmente distintas, não havia condições políticas de prosseguir com as experiências de teoria económica em Portugal. Entre os comprometidos com o macromodelo econométrico, Vítor Gaspar foi o primeiro a sair em Julho de 2013, precipitando uma crise. António Borges, por muitos considerado a eminência parda tutelar da equipa, morreu em Agosto de 2013, quanto a Carlos Moedas ainda teve mais um ano de governo até ser catapultado para Bruxelas como comissário, o tempo de ainda se ver enlameado com o colapso do BES (veja-se aqui Como colocar o Moedas a funcionar). Ficou apenas Pedro Passos Coelho porque era indispensável à imagem de continuidade. Mas era só a carapaça, o conteúdo e o estilo do que se seguiu era diferente.

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