27 julho 2020

VERSÃO PRÁTICA DE «TÉCNICA DO GOLPE DE ESTADO», AO ESTILO CARIBENHO

27 de Julho de 1990. Ocorre um golpe de estado em Trinidad e Tobago, um discreto país caribenho exportador de petróleo, com 5.131 km2 e habitado, à época, por 1.125.000 habitantes. O curioso é a identidade dos golpistas. Não os militares que tinham a fama (e o proveito) de tais iniciativas por toda a América do Sul e Central (Caraíbas incluídas), mas antes um grupo radical islâmico denominado Jamaat al Muslimeen. O grupo era encabeçado por um antigo polícia chamado Lennox Phillips que adoptara o nome islâmico de Yasim Abu Bakr aquando da sua conversão. Mas o Jamaat al Muslimeen mostrava ser muito mais do que uma organização religiosa. Muito provavelmente financiada pela Líbia desde o seu início em 1982, a organização assumira uma postura combativa contra o tráfego e consumo de droga, adoptando os mesmos métodos de controle das ruas, modelo de gang urbano, embora capeado por um discurso moral. Por várias vezes, a polícia efectuara buscas nas suas instalações, detendo fiéis/militantes e apreendendo armamento. Operando num país onde se usufruía de uma não muito sofisticada mas indiscutível liberdade política, com eleições livres, mas liderado por uma personalidade autoritária como Yassim Abu Bakr, o Jamaat al Muslimeen apresentava-se como uma fascinante combinação entre o fascismo clássico, o gangsterismo urbano e o radicalismo islâmico. Há precisamente 30 anos reuniram-se 114 militantes armados com a intenção de promoverem um golpe de estado. 42 deles foram para o parlamento (conhecido por Red House) e ocuparam-no enquanto estava em sessão, incluindo no espólio o primeiro-ministro e alguns membros do governo que ali se encontravam, espólio esse que guardaram como reféns. Quanto aos 72 restantes membros, esses dividiram-se em dois grupos, com um deles ocupando a única estação de televisão do país, e o outro a estação de rádio pública. A partir daí, alteraram a programação em seu proveito. A escolha das prioridades dos objectivos dos golpistas (elegendo o próprio centro de poder democrático e também os meios de comunicação) faz-nos lembrar as apreciações técnicas do livro «Técnica do Golpe de Estado» do italiano Curzio Malaparte. Só que aqui parece não ter havido qualquer esforço (sucedido) para aliciar as forças militares trinitário-tobagenses. E a desproporção de meios era muito grande. Podemos acima ver Abu Bakr a aproveitar o seu quase monopólio da comunicação, lendo não só o comunicado televisivo anunciando o golpe aos compatriotas, como anunciando a sua intenção de querer negociar com os militares. Um problema é que a sua tomada da Red House não decapitara por completo o poder político. Por exemplo, tanto o presidente Emmanuel Carter, como o ministro da Segurança não se encontravam entre os reféns de Abu Bakr. Esses dirigentes políticos que haviam escapado encabeçaram a reacção ao golpe: o primeiro dos acima mencionados decretou o estado de emergência; o segundo pôde coordenar as negociações com os revoltosos. E um outro problema para os revoltosos, quiçá maior que o anterior, foi a completa falta de simpatia como a sua iniciativa fora acolhida pela população em geral: havia os relatos de pilhagens na capital (abaixo), mas essas manifestações não eram de carácter político; o resto do país permanecia calmo; aliás, o islamismo professo dos insurrectos, pelo contrário, parecia funcionar contra eles, numa população onde apenas 5% dela seguiam aquela confissão. A uma distância de 30 anos é fácil reconhecer que foi precisa uma enorme dose de ingenuidade política - para a não classificar de outro modo mais cruel... - para ter levado esta iniciativa para diante. Sobre o desfecho, resta dizer que, com o tempo a correr contra si e com promessas (mantidas) de leniência, os revoltosos se renderam passados quatro dias (a 1 de Agosto). Mas, para lá dos golpes da lista do livro de Malaparte, este deve contar-se entre os golpes de estado mais estúpidos dos tempos modernos.

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