03 julho 2020

AS QUARENTENAS DAS NOSSAS FRUSTRAÇÕES

Vai por aí uma preocupação doméstica imensa, tão estúpida quanto vasta, com os países europeus que anunciam ir sancionar os passageiros oriundos de Portugal com medidas de quarentena. O título do artigo acima do The Guardian, hoje, demonstra como o processo de decisão de quais os países a abranger nada tem de objectivo ou de baseado em critérios científicos. Neste caso concreto do Reino Unido, o que se percebe é que, em vez de serem essas tais regras a decidir quais os países a incluir e a excluir, faz-se ao contrário: desde que a Espanha, a Itália, a França e a Alemanha apareçam nos países incluídos, a partir daí é que se podem definir quais as regras de inclusão e exclusão. Ou seja, em vez de se estabelecerem as regras e com elas se classificarem os países, faz-se precisamente ao contrário: seleccionam-se os países e depois elaboram-se as regras para que os escolhidos sejam incluídos. É uma questão do foro político e não científico. Só assim se pode compreender que um país com uma das piores performances no controlo da pandemia como o Reino Unido, tenha o desplante de, com a maior pompa e circunstância, arrogar-se o direito de estabelecer regras sanitárias a respeito de viagens com países terceiros que exibem performances assaz superiores à sua. Não que isso queira necessariamente significar alguma coisa: há países na Europa que andam a publicar dados a respeito desse controlo da pandemia que estão descaradamente aldrabados, como é, por exemplo, o caso da Grécia, que, para uma população equivalente à belga, portuguesa, sueca ou checa, apresenta apenas uma fracção mínima de casos e óbitos do que os registados em qualquer um desses países (são menos de 10% dos casos portugueses). É mais uma indicação que a questão é política, onde não terá qualquer relevância o rigor científico: até agora, não apareceu nenhum país europeu que se dispusesse a desencadear um incidente diplomático questionando oficialmente a fidedignidade dos dados de alguns dos seus parceiros, por muito implausíveis que sejam. Ao invés e no caso concreto da Grécia, aquele país até se arroga a simpatia de tratar Portugal com condescendência: Covid-19. Grécia vai permitir entrada de portugueses a 1 de Julho! Não se tratasse de turismo e fosse um assunto sério de saúde publica, e eu tenho uma sugestão de onde os britânicos podiam enfiar essa sua lista de países «isentos de quarentena». E contudo e ao mesmo tempo e por cá, há quem (abaixo) noticie toda esta palhaçada do quem-pode-ir-aonde como se o assunto fosse mesmo a sério.

4 comentários:

  1. Que o capital não tem alma, já sabemos mas é preciso ser-se muito cínico e não ter vergonha na cara para ter a distinta lata de ditar normas de comportamento que, pelos vistos, a avaliar pelo panorama no Reino Unido não se lhes aplica. E eu também tenho a mesma sugestão, Sofia. Até porque, tendo em conta o pessoal que vem fazer férias ao Algarve, é preferível ficarem por lá a curtir as bebedeiras, que é só mesmo nisso que gastam o dinheiro, com a agravante dos distúrbios e do mau ambiente que criam. Em Albufeira e na Oura, por exemplo, às 10 horas da manhã já andam a contar os metros à estrada. Aliás na Oura é mesmo e só, o chamado turismo dos bares. Acho que até devíamos era celebrar a decisão do Governo britânico, não queremos cá gente que só vem agravar ainda mais a situação já de si tão complicada. Obrigada pelo texto. Sempre lúcida e atenta, um gosto ler tudo o que escreve.

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  2. Não reparei que o texto não era da Sofia Loureiro. Peço desculpa ao autor, dono deste blogue, António Teixeira.

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  3. Não faz mal. Não me ofendi pelo lapso.

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