23 julho 2020

A BOMBA QUE EXPLODIU NA SEDE DA FRELIMO - A CENSURA DE ENTÃO E A OUTRA CENSURA DEPOIS DESSA

(Ainda) 23 de Julho de 1970. A sede da Frelimo em Dar-es-Salaam, capital da Tanzânia, é alvo de um atentado bombista que é devidamente noticiado pelo Diário de Lisboa do dia seguinte (acima, à esquerda). A imprensa nacional, que tinha grande dificuldade - visado pela censura - em noticiar o que acontecia em qualquer dos três teatros de operações de África - e, neste caso, estava a acontecer, como adiante veremos - teve nesta ocasião uma inusitada carta branca para poder noticiar o atentado que visou a sede da Frelimo. A ironia do momento é que, naquela precisa altura, estava a decorrer no norte de Moçambique a Operação Nó Górdio, uma acção militar de grande envergadura das forças armadas portuguesas desencadeada precisamente contra as forças da guerrilha da Frelimo. Sobre o detalhe do andamento dessa operação (que decorreu ao longo de todo o mês de Julho até princípios de Agosto) é que não se conseguia saber quase nada pelos jornais... Mas essa é a ironia de há 50 anos. A ironia actual é precisamente a inversa: se consultarmos as cronologias das guerras de África publicadas nos volumes a esse respeito, caso dos livros Guerra Colonial (2000) ou Os anos da guerra colonial (2010), em ambos, como se constata acima (ao centro), a bomba que rebentou na sede da Frelimo desapareceu da cronologia. Nunca existiu(?). Um desaparecimento tanto menos justificável quando, na cronologia mais recente (a do centro, à direita) os autores de ambas, Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, resolveram dar destaque para esse dia 23 de Julho de 1970, a uma resolução do conselho de segurança da ONU a respeito... da África do Sul. Até cheguei a considerar possível que a explosão da dita bomba fosse afinal uma manobra de desinformação... não tivesse vindo a deparar-me com essa mesma notícia reportada num jornal ganês daquela época (o Daily Graphic - à direita). Vale a pena dizer que, o episódio, apesar de significativamente grave, não teve a importância de um atentado semelhante no ano anterior, em que uma encomenda armadilhada matara o dirigente supremo da organização, Eduardo Mondlane. A esta distância temporal terá mais significado a sua omissão em cronologias pejadas de tantos episódios de somenos, mais do que o facto de ela contar desfavoravelmente para a narrativa patriótica da organização guerrilheira. Cinquenta anos transcorridos, creio que já passou tempo suficiente para que se escreva a História daqueles três conflitos, cada um por si, mas sem os faccionalismos da propaganda da época, dos treze anos em que elas perduraram, e também sem os faccionalismos ideológicos das análises militares que se seguiram e que, comprovadamente como aqui se deduz, perduram há muito mais tempo que isso.

1 comentário:

  1. Já era tempo da História ser menos ideologicamente orientada, tantos anos depois do fim das guerras coloniais. Talvez sejam precisas novas gerações de investigadores para que possamos apreciar os vários matizes de cinzentos, sem que nos limitemos ao preto e ao branco.

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