13 de Julho de 1870. O rei da Prússia, Guilherme I, já então com 73 anos cumpria uma cura de águas nas termas de Bad Ems, na Alemanha ocidental. Mesmo estando de férias, as questões internacionais tinham de vir ter com ele. E uma das últimas, fora a questão da candidatura de um príncipe alemão ao trono de Espanha, uma candidatura que alarmara a França e o imperador Napoleão III. Vivia-se então ainda, para efeitos de avaliação das questões da ordem internacional, na ilusão que os laços de parentesco existentes entre monarcas eram factores importantes que podiam condicionar as políticas de alianças dos países sobre os quais reinavam, sobrepondo-se mesmo aos interesses estratégicos do país. Toda essa ilusão virá a desaparecer em 1914 quando, o facto de Guilherme II da Alemanha, Jorge V do Reino Unido e Nicolau II da Rússia serem todos primos direitos entre si não conseguir evitar que eles se enfrentem na Grande Guerra, por causa das rivalidades implícitas entre os países onde reinavam. Mas, ainda em 1870, compreende-se a apreensão manifestada por Napoleão III com a perspectiva de se ver rodeado por dois lados, Leste (Prússia) e Sul (Espanha), por dois países encabeçados por monarcas alemães da mesma família.
Aliás, a 13 de Julho de 1870, a ideia (que fora mais acarinhada pelo chanceler Bismarck do que propriamente pelo rei) fora abandonada pela parte alemã: o príncipe Leopoldo desistira da candidatura. Do ponto de vista diplomático, o incidente podia considerar-se encerrado e saldara-se por uma vitória francesa. Foi aí que, de Paris, o Quai d'Orsay se lembrou de forçar a nota e pedir garantias adicionais ao monarca prussiano de que nenhum príncipe alemão se disponibilizaria para ocupar o trono espanhol. É esse pedido, protagonizado pelo embaixador francês na Prússia (o conde Benedetti) e feito de forma assaz informal (a meio de um passeio matinal do rei), que a gravura mais acima retrata. Guilherme I respondeu que havia dado o assunto por encerrado e que nada mais havia a acrescentar. O local está hoje assinalado como se nota na fotografia anexa. O embaixador francês saiu de mãos a abanar, o secretário do rei produziu um relatório do acontecimento que foi depois enviado para Berlim, para conhecimento do chanceler Bismarck. E é essa a razão porque esta evocação é publicada a 14 de Julho e não a 13 (não, não se tratou de um esquecimento meu da data...). Foi só no dia seguinte que Bismarck se debruçou sobre o relatório, e que descobriu nele todo o potencial de queixa que o despacho de Ems continha.
Como um bom editor de jornal, a redacção do despacho que recebera foi cuidadosamente rectificada por si antes de ser distribuída para os jornais. Certas passagens foram retocadas para que a pressão sobre o rei se tornasse mais enfática. Costuma culpar-se Bismarck por ele ter, com este expediente, desencadeado a Guerra Franco-Prussiana. Os factos demonstram que essa disposição para a guerra já existia dos dois lados. Esse mesmo dia 14 de Julho de 1870 em que toda a imprensa berlinense foi acirrada contra os franceses, assistiu em Paris, dia da Queda da Bastilha, a um assomo do patriotismo doméstico, ao apedrejamento da embaixada alemã e à declaração da mobilização pelo conselho de ministros. Nas duas capitais, o sentimento de ultraje não tardou a assemelhar-se. O que Bismarck terá feito foi apenas acelerar uma disposição simétrica daquela que já se vivia nas ruas de Paris. Seguir-se-á a Guerra Franco Prussiana - mas essa é toda uma outra história que aproveitaremos para ir por aqui contando a propósito do seu 150º aniversário... Mas este é um exemplo académico da facilidade como as opiniões publicadas conseguem manipular, por vezes, as opiniões públicas... Ainda outro dia as vimos aqui em Portugal quando das indignações por causa da quarentena dos britânicos.
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