A grande conclusão que se poderá extrair das reacções que tenho lido nas redes sociais à votação da câmara de deputados brasileira é que um sancionamento, como o que ali se decidiu contra Dilma Rousseff, só se torna genuinamente democrático quando concordamos com ele. Quando se discorda do resultado da votação, trata-se de um golpe, desprovido de qualquer legitimidade. O que torna o episódio mais engraçado é que assisti a esta mesma ideia há uns cinco meses atrás, quando o programa de governo do XX Governo Constitucional foi rejeitado na Assembleia da República em Portugal. Recorde-se a velocidade como começou a circular a despeitada expressão geringonça e as reviravoltas irónicas que ela sofreu de então para cá. A grande diferença é que os protagonistas das reacções ultrajadas desses dias eram completamente distintos dos que agora se manifestam. Mas a atitude é a mesma, futebolística, as desculpas que se arranjam quando se perde um jogo e se procura culpar a arbitragem, quando o resultado afinal foi limpo por muito que nos desagrade.
A encabeçar as desculpas dos dias que correm, a falta de dignidade dos trabalhos da Câmara de Deputados brasileira, que é tradicional. Pegar no assunto como se ele servisse de hipotética justificação para desvalorizar o que ali foi decidido é um expediente que combina má-fé com o que parece ser uma boa dose de ignorância e falta de verticalidade democrática. Em primeiro lugar (má-fé), porque o que foi decidido, foi-o por uma maioria qualificada e ampla (367 votos contra 146, mais de 70% dos deputados). Em segundo lugar (ignorância), porque os casos dos deputados mais castiços, tão evocados para desqualificar a composição da câmara são antigos, quando não antiquíssimos: o deputado Jair Bolsonaro, famoso pelo seu reaccionarismo desculpabilizador do regime militar de 1964, ocupa o seu lugar pelo Rio de Janeiro há já 25 anos(!); também o deputado Tiririca de Sâo Paulo, que se notabilizou pela indigência do seu slogan que o elegeu em 2010 (pior do que está, não fica), não foi um epifenómeno, já que foi entretanto reeleito em 2014 (com mais de um milhão de votos). Vir evocá-los agora é um completo despropósito. Em terceiro lugar (falta de verticalidade democrática), há que lembrar que as eleições que elegeram estas pretensas bizarrias - normalmente com centenas de milhares de votos! - foram disputadas com muito mais liberdade, transparência e, por isso, legitimidade, do que parlamentares brilhantes ou menos, eleitos em muitas eleições do passado - caso de Sá Carneiro da Ala Liberal da Assembleia Nacional portuguesa eleita em 1969 ou um qualquer deputado da Volkskammer (Câmara do Povo) da República (dita) Democrática Alemã entre 1949 e 1989.
Detecta-se algo de estranhamente ingénuo no teor de muitas das reacções desagradadas ao resultado da votação da Câmara de Deputados brasileira. Parecem-me assentar na presunção maniqueísta que, no Brasil, é a esquerda e só ela que deseja o melhoramento das condições de vida do povo enquanto que a direita não. Quando o consegue - como aconteceu durante as presidências de Lula - o povo tem que lhe ficar agradecido e continuar a votar à esquerda mesmo que os ciclos da economia se mostrem adversos como agora acontece. Ora em Democracia o povo não possui essa gratidão, não quer ter memória, nem tem esses pruridos morais: se assim não fosse, por exemplo, Churchill deveria ter ganho as eleições britânicas em 1945 logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial. E perdeu-as... para a esquerda trabalhista.
A encabeçar as desculpas dos dias que correm, a falta de dignidade dos trabalhos da Câmara de Deputados brasileira, que é tradicional. Pegar no assunto como se ele servisse de hipotética justificação para desvalorizar o que ali foi decidido é um expediente que combina má-fé com o que parece ser uma boa dose de ignorância e falta de verticalidade democrática. Em primeiro lugar (má-fé), porque o que foi decidido, foi-o por uma maioria qualificada e ampla (367 votos contra 146, mais de 70% dos deputados). Em segundo lugar (ignorância), porque os casos dos deputados mais castiços, tão evocados para desqualificar a composição da câmara são antigos, quando não antiquíssimos: o deputado Jair Bolsonaro, famoso pelo seu reaccionarismo desculpabilizador do regime militar de 1964, ocupa o seu lugar pelo Rio de Janeiro há já 25 anos(!); também o deputado Tiririca de Sâo Paulo, que se notabilizou pela indigência do seu slogan que o elegeu em 2010 (pior do que está, não fica), não foi um epifenómeno, já que foi entretanto reeleito em 2014 (com mais de um milhão de votos). Vir evocá-los agora é um completo despropósito. Em terceiro lugar (falta de verticalidade democrática), há que lembrar que as eleições que elegeram estas pretensas bizarrias - normalmente com centenas de milhares de votos! - foram disputadas com muito mais liberdade, transparência e, por isso, legitimidade, do que parlamentares brilhantes ou menos, eleitos em muitas eleições do passado - caso de Sá Carneiro da Ala Liberal da Assembleia Nacional portuguesa eleita em 1969 ou um qualquer deputado da Volkskammer (Câmara do Povo) da República (dita) Democrática Alemã entre 1949 e 1989.
Detecta-se algo de estranhamente ingénuo no teor de muitas das reacções desagradadas ao resultado da votação da Câmara de Deputados brasileira. Parecem-me assentar na presunção maniqueísta que, no Brasil, é a esquerda e só ela que deseja o melhoramento das condições de vida do povo enquanto que a direita não. Quando o consegue - como aconteceu durante as presidências de Lula - o povo tem que lhe ficar agradecido e continuar a votar à esquerda mesmo que os ciclos da economia se mostrem adversos como agora acontece. Ora em Democracia o povo não possui essa gratidão, não quer ter memória, nem tem esses pruridos morais: se assim não fosse, por exemplo, Churchill deveria ter ganho as eleições britânicas em 1945 logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial. E perdeu-as... para a esquerda trabalhista.
Que tal uma palavrinha sobre as distorções provocadas pelo sistema proporcional? Muitas das bizarrices são provenientes de deputados com votações ridículas.
ResponderEliminarAi são? Mas olhe que muitas das bizarrices são provenientes de deputados com votações robustíssimas. Se calhar não há nenhuma relação entre bizarrice e representatividade.
ResponderEliminarOlhe, nem vá mais longe, veja o caso dos dois deputados que mencionei nas últimas eleições de 2014: não sei se sabe, mas o palhaço Tiririca foi o segundo deputado mais votado dos 70 deputados do Estado de São Paulo, com um milhão de votos (http://g1.globo.com/sao-paulo/eleicoes/2014/noticia/2014/10/tiririca-e-segundo-mais-votado-de-sp-e-perde-um-em-cada-quatro-eleitores.html) e o fascista Jair Bolsonaro, com quase meio milhão de votos (464.000), foi o deputado mais votado dos 46 deputados eleitos pelo Rio de Janeiro (http://oglobo.globo.com/brasil/deputado-mais-votado-no-rio-bolsonaro-reclama-de-ter-apoio-esnobado-por-aecio-14327229).
Se estes dois não têm apoio popular, quem o terá naquela Câmara? Sabe, eu guardaria expressões como "distorções provocadas pelo sistema proporcional" para casos em que elas de facto existissem. Olhe, para exemplos como o francês, em que os mais de 20% de votos recebidos pelos candidatos da Frente Nacional de extrema direita são convertidos em 2 ou 3 deputados nos quase 600 da Assembleia Nacional. Isso sim, parece-me distorção. Quem sabe destas coisas diz até que o sistema proporcional costuma ser o que provoca menos distorções.
Foi simpático o seu comentário. Respondendo-lhe muito francamente, se dedicasse uma "palavrinha" às "distorções provocadas pelo sistema proporcional", além de não ir ao cerne do problema (as eleições ou são livres ou não são), estava a mostrar que não percebia nada do essencial dos problemas da representação popular.
Me refiro a algo que uma reportagem (http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/19/politica/1461023531_819960.html) aborda. Em nenhum momento disse que os "campeões de voto" são desprovido de apoio popular, mas que, além de rebaixarem por si sós o nível do Parlamento, o afundam ainda mais "rebocando" todo tipo de indivíduo despreparado.
ResponderEliminarIsso para não falar nos problemas relacionados ao uso enviesado de meios de comunicação de massa, já que muitas das "dinastias" do país são controladoras deles.
É engraçado como cita o artigo do El País, jornal espanhol, e as críticas que lá são feitas, quando o sistema em vigor em Espanha, como aqui em Portugal, é também proporcional e pelo método de Hondt embora em listas fechadas. Já pensou que talvez o vosso problema não tenha nada a ver com o sistema proporcional e sim com as "exigências" do eleitorado e o perfil dos actores políticos?
ResponderEliminarPor outro lado, quando me diz que "em nenhum momento" havia dito "que os campeões de voto são desprovido(s) de apoio popular", não se terá esquecido da sua insinuação inicial em que diz que "as bizarrices são provenientes de deputados com votações ridículas"? É que eu fui buscar o exemplo da maior "bizarrice", a da evocação do coronel torturador, e não é que ela foi dita pelo Bolsonaro mais o seu meio milhão de votos?
E, por outro lado, todo Mundo achou piada à primeira eleição do Tiririca em 2010 - voto de protesto, anti-sistema, etc. e tal. Mas em 2014 REELEGERAM o homem com um milhão de votos. Parece que o que era brincadeira afinal não era, o povo gosta mesmo deles, quere-os ver em Brasília. E, ainda por outro lado, sabe desde há quantos anos está este método de eleição por sistema proporcional em vigor? Está na vossa Constituição, desde 1988. Já estava em vigor quando do afastamento do Collor - cadê as indignações sobre a categoria dos deputados que o afastaram na época? Ou, para muitos, como parece ser o seu caso, só descobriram o problema da categoria dos deputados agora, quando mais de 70% deles votaram pelo afastamento da Dilma?
É que quando se formam opiniões apenas em função das circunstâncias, aí é melhor deixarmos de falar de política e mudarmos para o futebol - desse lado do Atlântico, por razões que creio que adivinhará, torço pelo Vasco...
eu era contra o voto proporcional, mas analizando um pouco mas é mais justo que outras formas, ainda defendo o voto distrital amplo onde o brasil poderia ser dividido em 100 distritos eleitorais de 2.000.000 de habitantes cada com 5 deputados eleitos sendo os mais votados, mas o sistema atual também traz uma representabilidade para o eleitor pois votando em um candidato de um partido aquele voto vai para aquele deputado e se ultrapassar vai ajudar outro do mesmo partido e o voto em candidato que perde vai ajudar a eleger outro do mesmo partido de maneira que o voto não se perde, só acho errado um candidato do estado do tamanho de são paulo ter sua campanha registrada em todo o estado onde os gastos se tornam absurdos. e 70% de votos pelo sim é democrático e revela a vontade da maioria dos brasileiros.
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