30 abril 2016

...QUEM?

Durante quase todo o Século XX foi objectivo das sociedade ocidentais promover a universalização do acesso ao ensino, alcançar taxas de alfabetização de 100%. Os problemas foram as ilusões que se geraram por causa disso. Parecia que quando aquele objectivo fosse alcançado se encontraria o mítico local onde o arco-íris toca a terra, e que, alcançando-o, nos tornaríamos numa sociedade mais educada, mais culta, mais esclarecida e mais participativa. Os anos foram correndo, os indicadores de frequência do sistema escolar melhorando cada vez mais, mas os ganhos que daí resultavam eram marginalmente cada vez menores. Tentando explicar o fenómeno, descobriram-se novos conceitos de analfabetismo: o analfabetismo funcional de quem havia aprendido mas que já esquecera aquilo que havia aprendido. Porque a maior parte do que essas pessoas aprenderam não lhes servia para o quotidiano e não lhes parecia importante reter. Passe a ironia, há toda uma utilidade prática corrente em saber os nomes do alinhamento da equipa de futebol do Benfica ou então o nome das personagens da telenovela em curso, que não há em saber quem poderá ter sido Salazar.

Veja-se este conjunto de entrevistas feitas há já uns vinte anos e que deverá ter sido realizado em data próxima ao 25 de Abril, onde o tema é, precisamente, a História recente de Portugal. Por muito que a montagem tenha sido feita propositadamente para acirrar o efeito da ignorância e apesar de os entrevistados acumularem os anos de escolaridade de que as gerações anteriores nunca puderam usufruir, a ignorância que se pode apreciar do resultado é inaceitável e o que talvez mais impressionará nela é a descontração como alguns dos entrevistados a exibem. O requinte da humilhação é o entrevistado chinês que, mesmo dominando mal a língua, parece ser dos únicos a saber o que acontecera a Salazar. Mas, se podemos detectar alguma linha de tendência na evolução social, creio que ela poderá ser identificada pelo conteúdo deste último bilhete, onde se constata como parece haver desde então uma crescente desresponsabilização dos destinatários da alfabetização. A feitura dos trabalhos de casa - que, pelos vistos, são facultativos... - parece incomodar muito mais a desgraçada da encarregada da Tatiana do que a própria. Que género de cidadã será a Tatiana? É um problema que não se resolve com a mudança do nome do cartão. Mais: nem sequer a mudança do nome do cartão contribuirá um avo que seja para a sua solução.

Sem comentários:

Enviar um comentário