A data é 11 de Outubro de 1937 (2ª Feira), a hora um pouco depois das três da tarde, e o local é o Largo da Luz fronteiro ao Colégio Militar. A figura da fotografia mais reconhecível é o presidente da República de então, Óscar Carmona (1869-1951, ex-aluno daquele estabelecimento de ensino 24/1882); atrás dele os entendidos reconhecerão a passada pesada do então subsecretário da Guerra, capitão Santos Costa (1899-1982); e a acompanhá-los aquele que era o comandante do batalhão colegial naquele ano lectivo (1937-38), o aluno nº 251, António Jacinto Hidalgo Barata (1920-1993). Mas, para mais detalhes, o melhor será ler a notícia que, nesse mesmo dia, o Diário de Lisboa publicava a respeito do evento (pp. 4-5).
No Colégio Militar realizou-se esta tarde, com a assistência do sr. Presidente da República, a sessão solene de abertura das aulas e distribuição de prémios do passado ano lectivo.
Pela manhã realizou-se a recepção aos novos alunos, formando o batalhão do Colégio e proferindo o director-interino, o sr. tenente-coronel Frutuoso de Carvalho, um discurso de exortação, ao cumprimento do dever, seguido de algumas palavras dirigidas no mesmo sentido, aos novos alunos, pelo comandante de batalhão.
Pelas 15 horas chegou o sr. Presidente da República, acompanhado do sr. general Amílcar Mota e tenente Carvalho Nunes, sendo recebido pelo subsecretário da Guerra, sr. capitão Santos Costa, pelo director-interino do Colégio, corpo docente e vários oficiais superiores do Exército.
O sr. general Carmona, depois de passar revista ao batalhão do Colégio que formava no largo fronteiro com bandeira e a banda de Caçadores 5, entrou no edifício, detendo-se alguns momentos no gabinete do director e dirigindo-se seguidamente ao ginásio do Colégio, que se enchera completamente com famílias de oficiais e alunos.
O sr. Presidente da República tomou lugar no estrado de honra, sentando-se a seu lado os srs. subsecretário da Guerra, generais Eduardo Marques e Amílcar Guerra e coronel Arrobas. O director do Colégio, depois de abrir a sessão em nome do sr. Presidente da República, proferiu um discurso agradecendo a presença do Chefe do Estado no acto tradicional da abertura solene das aulas e terminando por ler, um relatório, a traços largos, da vida escolar durante o última ano lectivo. Seguidamente, deu a palavra ao professor sr. tenente Castanheira Samuel que proferiu, com grande elevação, a oração de «sapiência». Usou ainda da palavra o sr. Cónego Governo que falou acerca do tema: «Escola com Deus, e escola sem Deus».
A notícia não detalha, mas ter-se-á seguido a tradicional cerimónia de distribuição de prémios aos alunos que mais se haviam distinguido no ano lectivo anterior. A lista de distinguidos era reduzidíssima, nesses tempos de critérios rigorosos: mal ultrapassava a dúzia num batalhão colegial composto por 450 alunos, distribuída entre os que receberam medalhas por aplicação literária (8) e por aptidão militar e física (6). Entre os do primeiro grupo e também entre os mais novos contava-se o aluno nº 94, João Maria Paulo Varela Gomes (1924- ) que, para orgulho da família, presume-se, terá recebido na ocasião a sua medalha de ouro como a acima, de fita cor-de-laranja correspondente ao terceiro ano - na época era o fim de um dos ciclos liceais. Mal se adivinharia então a promoção - pelo menos mediática... - que o futuro reservava àquele excelso aluno do Colégio Militar. De figurante anónimo numa notícia pacata do interior do jornal, dali por quase 25 anos (1 de Janeiro de 1962) o então capitão Varela Gomes ver-se-ia promovido para as manchetes da primeira página do mesmo Diário de Lisboa como cabecilha dos revolucionários por ocasião da intentona do golpe do quartel de Beja.
Hoje nonagenário, imaginar o intempestivo, irascível e insuportável Varela Gomes feito adolescente aplicado, um dos melhores alunos do Colégio Militar no seu tempo, antes de se transformar no revolucionário que teria nascido no continente errado (a América Latina com o seu caudilhismo congénito seria o seu continente natural...), é uma daquelas histórias politicamente transversais (embora não politicamente inocentes...) que só estabelecimentos com a gravitas do Colégio Militar podem produzir, porque é um estabelecimento de ensino do tamanho de um país e não só de uma facção política...
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