02 abril 2016

O MEMORANDO HOßBACH, O PENSAMENTO ESTRATÉGICO DE ADOLFO HITLER NA INTIMIDADE

Friedrich Hoßbach (1894-1980) foi um oficial alemão que combateu com distinção tanto na Primeira como na Segunda Guerra Mundial tendo terminado a sua carreira em 1945 com a patente de general. No entanto, não foi pelas suas virtudes como combatente, mas sim como secretário - foi Ajudante de Campo (AdC) de Adolf Hitler entre 1934 e 1938 - que o seu nome está associado à História da Segunda Guerra Mundial. Foi ele o redactor, e por isso acabou por lhe emprestar o nome, a um Memorando que sintetiza as conclusões de uma reunião que teve lugar em 5 de Novembro de 1937. Nessa reunião estiveram presentes, para além do próprio Führer, o ministro dos Negócios Estrangeiros von Neurath, o ministro da Guerra von Blomberg, os comandantes do exército, von Fritsch, da marinha, Raeder, e da força aérea, Göring. Como lembrei há poucos dias, iremos encontrar quase todos eles dali por 9 anos no banco dos réus do Tribunal de Nuremberga a responder (também) pelo que fora decidido naquela conferência e que ficara registado no Memorando de Hoßbach. O Memorando servia de suporte à acusação de que a Guerra fora deliberadamente desencadeada pela Alemanha. O Memorando parece ser a síntese do que terá sido uma extensíssima dissertação (sabe-se que a conferência durou 4H15 - das 4H15 da tarde às 8H30 da noite) de Adolf Hitler sobre as suas perspectivas estratégicas para o futuro próximo da Alemanha. A leitura do texto choca pela forma como as prioridades alemãs são apresentadas e pela crueza como se apresentam as soluções para lidar com os interesses antagónicos das potências rivais - expressamente a França e a Grã-Bretanha. É o pensamento estratégico da Alemanha nazi na intimidade, sem aqueles filtros eufemísticos que a diplomacia costuma acrescentar. A reforçar aquela impressão, há ainda a maneira como se pré-anuncia naquele texto as invasões dos países vizinhos, a Áustria, a Checoslováquia, a Polónia e a Lituânia, ditadas por razões de segurança, todas elas corroboradas pelos factos (abaixo).
Durante o julgamento de Nuremberga, o Memorando foi apresentado pela acusação norte-americana e tornou-se numa peça demolidora da acusação ao regime nazi e às latas figuras dele que se sentavam no banco dos réus - entre os presentes na conferência de 1937 encontravam-se ali Göring, Raeder, e von Neurath; os outros, com excepção de Hoßbach, haviam morrido. Os 70 anos entretanto transcorridos dividiram contudo as opiniões. Hoje está instalada uma controvérsia entre uma escola denominada por funcionalista versus uma outra designada por intencionalista. O que as separa é a opinião se será de atribuir mais ou menos e em que grau à decisão e planificação de Adolf Hitler e do seu círculo próximo tudo o que veio a conduzir à eclosão da Segunda Guerra Mundial - e nomeadamente ao Holocausto. Como se depreenderá da designação os intencionalistas defendem que sim, que houve uma planificação deliberada por parte de Adolf Hitler para que houvesse um conflito, embora não se desejasse que ele fosse necessariamente de carácter militar, os funcionalistas defendem que não, que Adolf Hitler não conseguiu antecipar o encadeado de acontecimentos que as suas decisões causaram e que muito do que veio a acontecer decorre da reacção a uma situação que fugiu ao controle dos contendores. E cada uma das escolas pega no Memorando para lhe dar a interpretação que melhor defende a sua tese. Não é possível fazer um debate sério sobre o assunto num poste de um blogue, mas gostaria de deixar uma nota adicional sobre o próprio Memorando e a sua fidedignidade, sobre a qual não creio que Hoßbach alguma vez se haja pronunciado. Tem a ver com o facto da versão do Memorando que conhecemos ser a que os norte-americanos apresentaram em Nuremberga e não tem a ver com aquilo que lá está escrito, mas com o que não está escrito. Então Adolf Hitler exprime os seus pensamentos estratégicos sobre o futuro da Alemanha na Europa, fala do que pensa sobre a França e a Grã-Bretanha, a Itália, a Espanha e a Polónia e nem por uma vez se refere aos Estados Unidos, nem - o que é ainda mais estranho... - à União Soviética?... O texto da Memorando (em inglês) está disponível aqui.

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