28 abril 2016

LEMBRANÇAS DO MARXISMO-GROUCHISMO: O ÚLTIMO A SAIR DO MES QUE APAGUE A LUZ

Na sua edição de 5 de Maio de 1976 o Diário de Lisboa concedia todo este espaço abaixo para que o Comité Central do MES (Movimento da Esquerda Socialista) fizesse a sua análise dos resultados das eleições que haviam tido lugar a 25 de Abril. Quanto aos alcançados pelo próprio MES, a que a análise, um pouco paradoxalmente, não se refere, adiante-se que haviam sido maus: a organização perdera quase metade dos já poucos votos que recebera em 1975 (58.000, nenhum deputado); agora ficara-se pelos 31.000 equivalente a 0,6%. Mesmo assim, era o género de organização que concitava uma tal simpatia da imprensa que esta lhes concedia um espaço desmesurado quando avaliado em comparação com a expressão eleitoral que acabara de mostrar. A comparar com os tempos actuais, as simpatias entre a opinião publicada e os correspondentes fracos resultados alcançados nas urnas, o MES seria o equivalente de há quarenta anos daquilo que agora é o Livre. A linguagem actual do Livre, porém, é apenas uma pasteurização do que era a linguagem vernácula do MES original:
«A democracia burguesa não tem viabilidade em Portugal e a médio prazo as reais alternativas de classe, regime autoritário fascizante ou caminho para o socialismo voltarão a colocar-se claramente» - lê-se num texto da Comissão Política do Comité Central do MES sobre os resultados das eleições legislativas e sobre a política actual. Sobre o resultado das eleições «A direita foi derrotada claramente» - diz o texto.
O povo votou contra o fascismo. Mas isso não significa que a esquerda tenha triunfado como demagogicamente têm proclamado todas as forças reformistas. Nem tão pouco significa que a ameaça fascista tenha sido varrida. Com efeito, não será na Assembleia da República que o fascismo será derrotado. Sobre a situação política actual e ainda em relação aos resultados eleitorais: ele «mostra-nos – diz-nos a organização – que a ameaça fascista se mantém e aponta-nos o caminho do fortalecimento da organização da resistência popular e do reforço da unidade da classe operária e do povo, pela retomada da ofensiva do Poder Popular a caminho de uma sociedade nova: socialista e independente.»
O MES analisa as votações obtidas pelos diversos partidos, começando por aqueles a que chama «partidos fascistas e fascizantes» (CDS, PPD, PDC, PPM, AOC e PCP (m-l)). «A expressão eleitoral dos partidos fascistas e fascizantes, apesar de ter ficado longe da expectativa da direita que esperava tirar mais proveito eleitoral da histeria anticomunista e dos erros dos sucessivos governos provisórios de conciliação, dá-nos razão quando apontamos que a alternativa burguesa para Portugal é o fascismo, adaptado aos nossos dias, isto é, um regime fortemente autoritário com alguma fachada democrática. Dá razão às forças da esquerda revolucionária quando «apontam como inimigo principal a combater a ofensiva burguesa e o avanço da direita. Apesar da bazófia eleitoral de Sá Carneiro e Freitas do Amaral ter sido desmentida pelos números que expressam uma afirmação de repúdio popular da opção fascista, confirmam as nossas posições de combate intransigente pela unidade dos revolucionários, da classe operária e do povo, no terreno fundamental da luta de massas, única condição para enfrentar com êxito a ameaça real do fascismo. Apontam-nos o caminho da construção de uma frente antifascista e anticapitalista.»
Sobre os resultados obtidos pelo PS: «os resultados obtidos pelo PS, apesar das suas perdas relativas, expressam um muito importante peso eleitoral que se explica pela influência que ainda mantém na pequena burguesia que, não tendo sido hegemonizada pela classe operária na fase da ofensiva popular de massas antes do 25 de Novembro, também não aderiu à alternativa fascizante (...) posições oscilantes que, no entanto, só temporariamente poderão ser recolhidas pelas forças democráticas e por uma política de conciliação como a do PS.»
Quanto ao PCP: «O reforço relativo da votação PCP reflecte a influência reformista sobre as massas populares. Apenas conseguindo recolher significativamente votos do MDP/CDE no sul e provavelmente votos do PS também no sul.»
O MES acusa o PCP de ter (...) a expressão eleitoral da esquerda revolucionária através da campanha do «voto útil» e da «maioria de esquerda».
Enfim, «a crise política permanece em aberto», sustenta a organização. «A situação política criada depois destas eleições deixa em aberto a crise na medida em que o novo quadro em que ela se desenrola torna o golpe fascista ou da extrema direita inviável a curto prazo, ao mesmo tempo que não criou as condições para que qualquer partido imponha as suas soluções aos outros.»
Oculto por detrás deste texto onde já se notam ligeiras inflexões ao patois marxista-leninista tradicional - um implícito reconhecimento pelo veredicto das urnas, por exemplo - intui-se como as cabeças dos militantes mais vanguardistas do MES já haviam começado a reavaliar a situação e a concluir só para si que afinal a democracia burguesa era muito bem capaz de vir a ter viabilidade em Portugal. E como as suas próprias carreiras políticas e profissionais não poderiam ficar amarradas àqueles mesmos disparates pelos quais se haviam notabilizado até então. Entre os percursos do elenco de dezenas de ex-militantes distintos de que o MES se pode orgulhar, 1976 é o primeiro ano de um período fluído em que é difícil precisar de todos os militantes, quem já se viera embora, quem e quando só estava a pensar fazê-lo em breve e quem continuava ainda por lá, numa certa certeza fatal , a de que seriam os últimos aqueles que iriam apagar a luz... Eles não sabiam então, mesmo os intelectualmente mais sólidos, mas, de todos os marxismos, o marxismo-grouchismo era a doutrina política mais implacável capaz de explicar as ambições das massas militantes do MES.

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