05 janeiro 2023

UM VERDADEIRO «REALITY SHOW» NO CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS!

As sucessivas tentativas falhadas para a eleição do próximo presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos transformaram o acontecimento, que costuma ser uma banalidade processual, num «reality show» televisivo - do qual, confesso, tenho sido um dos espectadores. Ainda não houve porrada, mas, como qualquer show televisivo que pretenda prender a atenção do telespectador, há uma agressividade basal (consolidada pelo facto de não haver regras regulamentares de funcionamento, essas só poderão ser votadas e aprovadas depois da eleição do presidente...), uma agressividade, escrevia eu, que pode ser comprovada pelo episódio acima, quando a representante republicana pela Florida, Kat Cammack, apresentando mais uma vez - a sexta! - a candidatura do seu colega Kevin McCarthy à presidência daquela assembleia se refere assim, aos membros da bancada democrata:

« - ...eles (os democratas) querem-nos divididos. Querem-nos a combatermo-nos entre nós. Isso tornou-se claro pelas pipocas, os cobertores e o alcool que já trouxeram para aquele lado (enquanto designava a ala da câmara onde se sentam os democratas).»

Seguem-se momentos de vaias e protestos a que a funcionária (que é quem dirige os trabalhos enquanto se aguarda a eleição de um titular político) se limita a apelar «a que os membros-eleitos se circunscrevam à conduta decorosa que está estabelecida para estes processos de nomeação.» Reconheça-se o esforço da funcionária em admoestar comportamentos que só se podem justificar pela frustração dos eleitos do bloco maioritário republicano em conseguir eleger o seu candidato (McCarthy) devido à teimosia da sua ala extremista radical.

Este impasse, que se arrasta desde há dois dias e sem fim à vista, suscita-me dois comentários sobre ironias que evidencia. A primeira ironia é que, como alguém já assinalou, este processo de repetir votações de uma assembleia num nome até à obtenção de alguém que obtenha a maioria no escrutínio, se assemelha estranhamente a um conclave em que os cardeais se reúnem para a eleição de um novo papa. A grande diferença é que em Washington DC o processo é televisionado, mas em Roma, e desde sempre, é secreto - só se fica a saber o desfecho por causa do fumo branco da chaminé. Aqui, a expressão frustrada do papabile McCarthy aparece em todo o lado...

A segunda ironia é assistir-se agora ao republicanismo tradicional a pagar por anos de condescendência timorata para com a extrema direita norte-americana do Tea Party e radicalismos aparentados. Tanto mais timorata quanto, na sua grande maioria, os republicanos pecaram por omissão no que concerne à condenação da conduta de Donald Trump (nomeadamente depois da tentativa de golpe de estado de 6 de Janeiro de 2021). Supostamente faziam-no - ou melhor, não o faziam - por Trump ser, não só muito popular, mas também por aplacar todos aqueles extremismos. Só que afinal, quando foi preciso, Trump não serviu para nada: endossou McCarthy e a extrema direita republicana desobedeceu-lhe... Deve ser duro de engolir tanto sacrifício para nada.

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