A fotografia do lado esquerdo mostra as escadarias de acesso ao edifício do capitólio em Washington DC e foi tomada a 6 de Abril de 1968, na sequência do assassinato de Martin Luther King. Os receios eram que a comunidade afro aproveitasse o acontecimento para vir para as ruas protestar. O ângulo escolhido pelo fotógrafo confere aos dois soldados de sentinela uma aparência de poder que é mais para sugerir do que para concretizar. Na realidade, que é que os dois poderiam fazer, mesmo com uma M-60 de tripé, diante de uma turba composta por centenas de assaltantes? Abatê-las a tiro de rajada?... Mesmo naquela América dos anos 60, mais tolerante para com a violência urbana contra as turbas afro, o gesto era capaz de ser muito contraproducente do ponto de vista político. Fotografias de corpos espalhados por aquelas mesmas escadarias do capitólio arruinariam a reputação de qualquer administração norte-americana (a de Lyndon Johnson, no caso). E, admitindo que essa hipótese se tivesse posto, o mesmo valeria para os assaltantes daquele mesmo edifício em 6 de Janeiro de 2021. Qualquer causa, até mesmo as perversas, podem tornar-se tanto mais poderosas, e perigosas, quanto mais mártires arranjarem.
E João Miguel Tavares parece não perceber nada disto que acabei de explicar quando invoca a expressão força letal na sua crónica de hoje a respeito do que aconteceu no Brasil. Arrebatou-se a si próprio na retórica...
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