No passado Sábado, cerca de 80.000 pessoas manifestaram-se contra a intenção do recém empossado governo israelita de Benjamin Netanyahu. Muito mais do que a composição (extrema direita religiosa) do novo governo, o que é estranho é a prioridade alocada pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Justiça, Yariv Levin, a uma profunda reforma do sistema judicial israelita. Trata-se de uma reforma que procura reduzir os poderes do Supremo Tribunal de Israel e, através dela, alterar necessariamente os equilíbrios que estão estabelecidos entre os poderes executivo, legislativo e judicial. É evidente que este género de disputas não são exclusivas de Israel, embora este mesmo género de iniciativas tenham sido conotados mais recentemente com países com outros governos de extrema direita, como serão os casos da Hungria de Viktor Orbán e da Polónia de Mateusz Morawiecki. Só que ao contrário desses outros países, Israel, apesar dos seus quase 75 anos de existência, não possui uma Constituição. E nesses 75 anos, o Supremo Tribunal e o ramo judiciário de Israel já deram mostras de decisões de uma coragem política que o executivo e o legislativo nunca ousariam: um ex-primeiro-ministro (Ehud Olmert) foi condenado - e cumpriu pena - por corrupção; um ex-presidente (Moshe Katsav) foi condenado - e cumpriu pena - por abuso sexual. A corrupção é um problema recorrente da política israelita, mas os tribunais em Israel têm pelo menos a reputação de não brincar em serviço, mesmo se o réu for um político de destaque (o que não se pode dizer de outros países...).
Associemos agora esta prioridade governamental e a reacção que ela está a suscitar com o facto de que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem vindo a estar envolvido nos últimos anos num conjunto de inquéritos criminais a casos de corrupção de que o visado não tem conseguido desembaraçar-se. Ou melhor, desembaraça-se de um e embrulha-se no próximo. Objectivamente, aquilo que parece estar em discussão - em 12 de Janeiro, Esther Hayut, a presidente do Supremo Tribunal, tomou a iniciativa inédita de criticar publicamente o plano do governo, classificando-o de “uma ferida mortal na independência do judicial” - não afectaria directamente os inquéritos criminais que correm sobre os casos em que Netanyahu está envolvido. Mas é difícil evitar a impressão de que neste regresso ao poder ele traz contas pessoais para acertar com o aparelho judicial. No passado, Benjamin Netanyahu havia-se apresentado como um defensor da independência e dos poderes do Supremo Tribunal. Andando nestas andanças políticas há tantos (30!) anos, também é muito possível ele tenha mudado genuinamente de ideias, mas esta sofreguidão em promover esta reforma judicial, apesar de esbarrar com protestos de rua desta dimensão e visibilidade, indicia, pelo menos, muito pouca sageza. Outro aspecto interessante em tudo o que está a acontecer em Israel, é o relativo desinteresse como esta fractura está a ser coberta em termos mediáticos, que foi precisamente a razão que me levou a destacar o assunto aqui no Herdeiro de Aécio.
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