22 janeiro 2023

UMA EXPLICAÇÃO SUCINTA PARA A FALTA DE MÉDICOS EM PORTUGAL

Este quadro acima, publicado em Outubro de 1963, informava o leitor da população universítária do ano lectivo que terminara, o de 1962/63. O Diário de Lisboa não fazia muitas contas, mas o total era de 22.659 estudantes, a maioria concentrava-se nas Universidades de Lisboa (12.607 - 55,6%), seguia-se a de Coimbra (5.843 - 25,8%) e finalmente a do Porto (4.209 - 18,6%). Mas o que me chamou a atenção para este quadro foi uma outra forma de trabalhar a informação publicada, dando uma panorâmica a respeito de um tema que tem sido ultimamente objecto de grande discussão em Portugal: o número de médicos. Pelos dados que então eram fornecidos, podia ficar-se a saber que há sessenta anos havia 2.763 (1.040+863+860) estudantes de cursos de medicina em Portugal. O que quer dizer que, tomando os seis anos de duração do curso (creio que já então era assim), existiriam então em média nas três universidades, 460 alunos de medicina por ano (2.763:6). O número é mais indicativo do que rigoroso, já que não há garantia que todos os alunos concluam o curso e que, mesmo que o façam, depois sigam a carreira, mas isso é irrelevante para a comparação que a seguir quero fazer.
E a comparação que quero fazer é a daquela referência dos 460 alunos/ano com o número de admissões às faculdades de Medicina portuguesas que se processaram, ao abrigo dos numerus clausus, entre 1977 e 2008. Como se lê no quadro acima, as admissões foram de cerca de 1.000 em 1977 e voltaram a ser superiores a 1.600 em 2008. Mas o que se pode perceber, interpretando o gráfico, é que entre os anos de 1983 e 1999 (ou seja, ao longo de 16 anos!), o número de estudantes de medicina admitidos por ano foi sempre inferior ao número médio acima apurado para 1963!E a escolha de um número de admissões tão baixo, terá acontecido não por incapacidade de meios de formação, mas pelo cálculo (supostamente científico) das necessidades futuras de quadros médicos em Portugal. É difícil acreditar que os responsáveis de então concluíssem que o número anual de quadros médicos necessários para formar em Portugal naquele final do século XX fossem menos do que o ritmo daqueles que eram já formados em 1963!... Mas, por inacreditável que seja, foi mesmo assim...
E terá sido assim durante 16 anos, um período que se traduziu na diminuição e carência de profissionais naquela que é a actual faixa etária de médicos com idades entre os 40 e os 55 anos. Responsáveis para esta situação, o governo PS/PSD do Bloco Central de Mário Soares (1983/85), todos os governos PSD de Cavaco Silva (1985/95) e ainda o primeiro governo PS de Guterres (1995/99). Há responsabilidades políticas a pedir a muita gente (no caso - improvável - de as quererem pedir...). O que é desnecessário é, nas actuais circunstâncias, andar a prestar atenção a partes interessadas e cúmplices neste estado de coisas, como é o caso da Ordem dos Médicos, entidade que tem sempre a opinião que nunca há falta de médicos. É que esses, para fundamentar o argumento, aldrabam os números, contando médicos reformados para fazer crescer o número de médicos existentes e diminuir as carências de que também foram co-responsáveis. Ora o problema que se vive não é uma questão de contar médicos a granel, como se fossem todos iguais uns aos outros. Como se percebe, há um hiato e uma carência de experiência na estrutura actual. Concluído isto, o que também é dispensável é a ligeireza das soluções apresentadas pelo poder político (acima, o actual ministro da Saúde). Não se ponha com tretas e não se espere resolver em dois a três anos uma deficiência estrutural que a incúria criou durante mais de quinze anos.

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