04 janeiro 2023

A HISTÓRIA, TAL QUAL ACONTECEU, ANTES DE A TENTAREM RECONTAR

4 de Janeiro de 1973. Um dos novos costumes do jornalismo português desta fase final do Estado Novo foi o de publicar, em exclusivo contratual, artigos de jornais estrangeiros de prestígio, como acontecia nesta edição de há cinquenta anos, em que o Diário de Lisboa preenchia uma página inteira com dois artigos vindos do Le Monde parisiense e do Los Angeles Times californiano. Para além do benefício óbvio da qualidade dos textos que se elegiam, havia mais duas vantagens suplementares: escolhiam-se temas em que era, precisamente, difícil, pela sua delicadeza, encontrar por cá quem os tratasse (ou que se dispusesse a tratá-los); no caso concreto da página acima, as encruzilhadas da economia soviética e os últimos episódios da descolonização francesa; o facto de virem do estrangeiro (como, na cultura portuguesa, o que é estrangeiro é bom por definição), inibia eventuais sanhas censórias de quem estava encarregue de efectuar o exame prévio dos conteúdos (vulgo censura), por muito incómodo que fosse o tema tratado. Perdoe-se-me a extensão deste preâmbulo, quase maior do que o conteúdo principal.

O texto dedicado à União Soviética era da autoria do jornalista Alain Jacob (então com 40 anos), da secção internacional do Le Monde. E o tema dominante era «o exame dos relatórios apresentados ao Soviete Supremo sobre os resultados económicos do ano de 1972 e o orçamento para 1973». Exame que era dominado por «um quadro bastante sombrio sobre a economia soviética», nomeadamente «atrasos verificados quanto às previsões do nono plano quinquenal». A apresentação era dominada pelo tema da «austeridade», nomeadamente quanto ao acesso aos produtos de consumo, cuja produção era, mais uma vez, subordinada à prioridade «dada novamente às industrias básicas». Os soviéticos iriam ter que continuar a esperar as promessas de adquirir um padrão de vida que se equiparasse ao dos países capitalistas. As promessas feitas por Nikita Khrushchev há uma dúzia de anos atrás de que, por volta de 1970, a União Soviética iria ultrapassar os Estados Unidos como primeira potência mundial, não só não se haviam concretizado como, ainda por cima, na competição entre o comunismo e o capitalismo, o comunismo mostrava-se em crise, incapaz de acompanhar os ritmos de crescimento económico e de distribuição da riqueza do sistema rival. Na verdade, reflectindo: alguma vez, deixara de o estar (em crise)? Contudo, neste caso concreto e escondido no futuro, o capitalismo virá a entrar também numa crise petrolífera no Outono de 1973. E isso foi uma oportunidade de ouro para a propaganda comunista misturar tudo e ganhar um último alento de dúzia e meia de anos.

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