Existe a noção que a Suíça foi um país que permaneceu estritamente neutral durante a Segunda Guerra Mundial. É uma ideia tecnicamente correcta, mas cheia de nuances, algumas das quais (1) (2) (3) já me referi aqui neste blogue. O que se tornará surpreendente para o leitor, será descobrir que a Suíça chegou a prestar apoio material à Alemanha na Frente Leste durante o conflito. Embora a iniciativa não tivesse o apoio governamental (também não foi proibido...), o coronel Eugen Bircher (que também era um médico ortopedista reputado) encabeçou uma primeira «missão especial médica suíça» que partiu para a Frente Leste alemã em 15 de Outubro de 1941. Com a publicidade que a capa da revista acima mostra. Composta por 31 médicos, 30 enfermeiros e 19 outros de pessoal de apoio, os membros da missão ficaram instalados na cidade russa de Smolensk, que constituía o ápice do dispositivo médico da Wehrmacht na Frente Leste. Os membros da missão envergavam uniformes do exército suíço, assim como utilizavam o seu equipamento de transporte, embora desprovidos de quaisquer insígnias. Para além das razões ideológicas, o interesse dos militares suíços era o de acompanhar os últimos desenvolvimentos no campo da medicina militar – os suíços foram responsáveis, por exemplo, pela instalação de um banco de sangue em Smolensk, muito necessário já que a cidade albergava nada menos do que 12 hospitais (um deles o suíço). Depois da primeira missão, uma segunda partiu para a Frente Leste em 8 de Janeiro de 1942. Uma terceira missão seguiu-se em 18 de Junho de 1942. E uma quarta em 24 de Novembro de 1942.
Para além da mudança das sortes da Guerra (a batalha de Stalinegrado ocorreu durante a quarta missão), nem todos os membros das missões suíças participavam nelas por razões ideológicas, e os relatos que traziam da Rússia a respeito do tratamento que os alemães davam aos judeus, às populações e aos prisioneiros de guerra soviéticos (os suíços estavam proibidos de os tratar), tiveram que ser activamente abafados pelas autoridades governamentais antes que chegassem à comunicação social suíça (um livro contando a experiência de um dos membros de uma das missões só veio a ser publicado... em 1967). E paradoxalmente, o pessoal médico que fora destacado para apoiar o esforço de guerra alemão, estava também a fazer falta nos inúmeros campos de refugiados que a guerra fizera aparecer na própria Suíça. Não houve mais missões comandadas pelo coronel Bircher a partir de Março de 1943. Quando do fim da Segunda Guerra Mundial, e por muita discrição que se terá posto em não as mencionar, estas missões militares de apoio ao esforço de guerra alemão não puderam desaparecer dos registos, mas o que se notou foi um esforço oficial em distorcê-las, realçando o seu carácter humanitário, para que se esquecesse o ideológico. O que é mais uma daquelas grandes mistificações que alguns países conseguem injectar na História. Apesar da Suíça ser, não esqueçamos, o país sede da Cruz Vermelha Internacional, o que a Suíça tem para apresentar como acções de apoio humanitário à União Soviética em todos estes anos de guerra que acabámos de cobrir (1941/1942/1943), foi... nada. O que não é lá muito neutral.
Nestas duas últimas fotografias vemos o indispensável coronel-médico Bircher (reconhecível pelo quépi) com os seus anfitriões alemães em visita a Narva e à frente de Leninegrado em Agosto e Setembro de 1942.
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