01 julho 2013

WATTS

Watts é um dos bairros de Los Angeles. Em 1965, a descriminação que a sociedade americana tem vergonha de assumir mas nenhum pejo em praticar tornara-o um bairro de negros. E foi aí que à tardinha de um certo dia quente de Agosto um polícia mandou encostar num cruzamento um carro com dois jovens irmãos para submeter o condutor (acima, à direita) aos testes de sobriedade. Enquanto isso acontecia, o seu irmão (à esquerda), dada a proximidade de casa, foi chamar a mãe e proprietária da viatura, Rena Price (a senhora de óculos ao centro). Depoimentos de testemunhas e relatórios policiais divergem a partir daí mas são unanimes em reconhecer que a chegada de Rena ao local influenciou substantivamente a disposição dos intervenientes directos: o episódio terminou com a detenção e o transporte para a esquadra dos três membros da família diante de um crescente grupo de assistentes escandalizado e hostil.

Mas não foi a sua conduta, antes o que se seguiu, que impediu Rena Price de se poder tornar num daqueles símbolos – uma espécie de Rosa Parks da costa Oeste... – da luta contra a discriminação racial em Los Angeles. O grupo que assistira ao incidente foi engrossando, comentando-se criticamente a intervenção policial. As viaturas policiais que regressaram ao local do incidente em demonstração de intimidação foram acolhidas à pedrada e, sem que hoje se possa detalhar hora e local, tudo se descontrolou e começaram os saques às lojas comerciais.

Rena Price fora apenas a percursora de um episódio que tornou Watts tristemente conhecido em todos os Estados Unidos. Apesar de uma última tentativa de moderação com os líderes da comunidade negra no dia seguinte, o poder havia caído realmente na rua – fenómeno que parece encantar estes nossos revolucionários dos dias que correm… Durante seis dias, entre 11 e 17 de Agosto de 1965, numa área estimada em 119 km² (os bairros de Los Angeles são muito extensos) viveu-se um verdadeiro ambiente de guerra conforme se pode apreciar pelas fotografias.

Quando se fez o balanço final contaram-se perto de 1.000 edifícios danificados e destruídos devido aos saques e aos incêndios. Os rebeldes caprichavam em interferir com a acção dos bombeiros e alguns edifícios vieram a ser destruídos apenas porque eram contíguos a outros que haviam sido atacados. Em termos mais sérios, pessoais, registaram-se 34 mortos e 1.032 feridos e foram ainda feitas 3.438 prisões ou seja, o correspondente a cerca de 10% do número estimado daqueles que terão participado directamente nos assaltos.

Desde o terceiro dia dos tumultos que fora imposto o recolher obrigatório na área afectada e que o exército fora convocado para a patrulhar. Tão ou mais importante que as patrulhas eram as fotografias dessas mesmas patrulhas na comunicação social, para procurar transmitir uma ideia de controlo da situação ao resto da população da cidade. Mas, mais do que reprimida ou contida, a impressão ainda hoje prevalecente é que a revolta de Watts, desencadeada pelo motivo pueril que acima se descreveu, acabou por se esgotar por esgotamento do combustível que a gerara.

Watts foi o encerramento de um ciclo, onde ainda era permitido ao chefe da polícia comparar publicamente os saqueadores a macacos no zoo. Mas que, para além da correcção política do discurso, substancialmente pouco se terá feito depois percebe-se quando 27 anos depois se registou um outro tumulto racial em Los Angeles decalcado do de Watts, apenas maior e com mais vítimas e mais uma vez a pretexto de um problema da relação entre a comunidade negra e a polícia. Estes casos são exemplos concretos do que pode ser tomar a rua (como se apregoava num cartaz da malta que queria bloquear a ponte), quando não existe uma direcção política sólida por detrás dessas iniciativas. De interesse humano, resta Rena Price, a mulher que ao ralhar ao filho por beber, ao mesmo tempo que descompunha os polícias por o prenderem, foi o estopim de tudo: mulher de armas, morreu muito recentemente com 97 anos.

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