10 julho 2013

A «SALVAÇÃO» DE BEN TRE

Ben Tre é uma cidade vietnamita situada no delta do Mekong a cerca de 85 km a sudeste da antiga capital do Vietname do Sul, Saigão. Tornou-se mundialmente famosa depois de, em 7 de Fevereiro de 1968, uma acção militar ter sido descrita por um major norte-americano, citado pela Associated Press (acima), como tendo-se tornado necessário destruir a cidade para a salvar. Ao ler as reportagens pueris que noticiam o retorno de Vítor Gaspar ao Banco de Portugal ocorreu-me que, depois de ter abandonado a pasta das finanças e da sua carta aberta, o quão não teria sido descabido atribuir-lhe como síntese da sua actuação nestes dois anos e a respeito da sociedade portuguesa, a celebérrima descrição do major americano...

5 comentários:

  1. Na verdade, não só subsistem dúvidas quanto ao verdadeiro autor da frase, como, inclusivamente, quanto à exactidão da citação. A flagrante contradição que a tornou famosa estará, portanto, ainda por provar.
    A utilização da dita frase como síntese da acção de Gaspar na sociedade portuguesa sofreria, a meu ver, dos mesmos problemas:
    1 – A quem ficamos a dever a destruição das finanças e economia nacionais? A Gaspar? É discutível. Há quem aponte outro(s) nome(s);
    2 – Que as nossas finanças e economia não estão a salvo, é por demais evidente. Mas que a sua destruição tenha sido promovida nos últimos dois anos, é algo em que só acredita quem quer.
    Com efeito, infelizmente, o avião da GOL acabou por aterrar de barriga. A maioria dos comentadores dirão que há muito vinham dizendo que a conduta do piloto só poderia ter este desfecho; alguns outros (poucos) continuarão a pensar que isso se fica a dever a uma adversa conjunção de factores e forças que o piloto não soube, não quis ou não pôde controlar.

    ResponderEliminar
  2. Seja bem reaparecido.

    Como se nota pela imagem inserida, a frase apareceu originalmente discreta numa coluna do NY Times, depois adquiriu "tamanho" e importância política com os militares a correr "atrás" dela, questionando-a, retificando-a, minorando-lhe o impacto.

    Caso semelhante aconteceu entre nós, por exemplo, com o episódio do PIB de Guterres que, nas versões posteriormente postas a correr, não fazia a mínima ideia qual era o montante do PIB por causa das notícias sobre a saúde da mulher... Acredite quem quiser.

    Assunto que nos trás de regresso ao ponto 1 do comentário: há sempre alguém que acredita em qualquer outra coisa e disposta a apontar quaisquer outros nomes - até mesmo ao Salazar.

    Mas o que é sempre possível fazer é analisar a prestação governamental nos últimos dois anos sem lhe assacar toda a responsabilidade da sua destruição, mas respondendo a perguntas prosaicas:
    Era expectável que a economia portuguesa entrasse em recessão com as medidas adoptadas?
    Se sim, era expectável que essa recessão assumisse a dimensão que assumiu?
    Se não, era necessário ter prosseguido no mesmo rumo mesmo quando os cenários macroeconómicos falharam consecutivamente?
    Se sim, ao fim de dois anos que melhorias se podem apresentar do ponto de vista de controlo orçamental?

    Convenhamos que é uma forma menos tremendista de avaliar a prestação de Vítor Gaspar.

    ET - Para mim, a crítica implícita à frase sobre a «salvação» de Ben Tre é que, fosse a cidade norte-americana e o tal major anónimo não a teria dito, nem qualquer outra passível de ser distorcida, porque o bombardeamento aéreo do perímetro urbano com baixas civis tornar-se-ia inaceitável. A fazer lembrar a pose «incomodada» como os dados do desemprego têm sido referidos, por exemplo...

    ResponderEliminar
  3. As perguntas, quaisquer que sejam, não só não abarcam toda a realidade como podem ter respostas de compromisso ou mesmo antagónicas. Não será por lhes responder que chegaremos necessariamente à mesma conclusão.
    Mais do que expectável, era sabido que as medidas tinham efeitos recessivos. Mas a formulação da pergunta é incorrecta e/ou tendenciosa: Não seriam nunca essas medidas a levar a economia a entrar em recessão, porque antes mesmo delas já a economia estava há mais de meio ano em recessão.
    Não sei se a dimensão que a recessão assumiu era expectável, e para quem. Mas sei que bem antes de as medidas serem conhecidas, muitos “especialistas” diziam que “vivíamos 10% acima das nossas possibilidades” e/ou que a massa salarial estava sobrevalorizada em cerca de 30%. Todos concordavam em que o ideal seria fazer-se uma desvalorização monetária – provavelmente por saberem ser impossível fazê-la – ainda que poucos tivessem a coragem de avançar medidas alternativas de desvalorização interna. Portanto, se me perguntam se fiquei surpreendido com a queda do PIB, não fiquei; se me perguntam se contava com uma subida tão vertiginosa do desemprego, não contava. Mas entendamo-nos: 1º muitas das medidas, as mais emblemáticas, nunca chegaram a ser aplicadas e foram substituídas por outras (pagámos pelo seu anúncio e pela sua não aplicação). 2º algumas das que chegaram a ser aplicadas viriam depois a ser anuladas pelo Palácio Ratton (o que, mais uma vez, nos levou a pagar duas vezes o preço). 3º não ter sido possível cortar na despesa pela baixa de salários (“desvalorizando-os”) e/ou por despedimento, por razões políticas e constitucionais, levou à procura de receita por via dos impostos. 4º a opção pelo aumento da carga fiscal – que foi sempre apontado como alternativa preferível tanto pelo Rato como pelo Ratton – colocou empresas e famílias ainda em maior aperto, o que, conjugado, levou ao refreamento da procura, à falência ou “downsizing” das empresas (privadas), ao despedimento (no sector privado) e, como resultado, a mais quebra na procura… 5º a reforma ou reestruturação do Estado, que se devia ter atacado logo de início e sem a qual nenhuma estabilização das nossas contas será alguma vez possível, não foi feita e, nas circunstâncias em que herdou a pasta, não seria suposto ou muito menos exigível que fosse o ministro das finanças a fazê-la.
    Se era necessário ter prosseguido no mesmo rumo, mesmo com os cenários macroeconómicos a falharem? Julgo que só o próprio Gaspar e alguns dos membros da equipa que têm acompanhado as negociações com a Troika podem responder. Mas atendendo ao que vamos ouvindo de múltiplos personagens da UE não me espantaria que sim.
    Passando por cima do regresso aos mercados, também ele controverso, julgo existirem, sim, melhorias do controlo orçamental. No caso da saúde, não só tem havido controlo como reduções de despesa substanciais e efectivas. Mas penso que haverá progressos em todos os outros ministérios. Deixámos de ter as habituais e constantes surpresas em termos de despesas desconhecidas ou escondidas. Claro que só teremos a certeza disso quando um novo governo for empossado… Quando, depois de alguns meses de governação a levantar tapetes, a abrir gavetas, armários, salas inteiras, não nos vier a revelar umas quantas toneladas de facturas e outros esqueletos convenientemente esquecidos e não contabilizados…

    ResponderEliminar
  4. Em resumo, uma vez mais manifestando-me contra a corrente, a suposta cara de mau de Gaspar, postada há algum tempo neste blogue, nunca me convenceu ou assustou; e a “ennnooooorme” incompetência que agora está na moda apontarem-lhe impressiona-me tanto como a imensa competência que lhe atribuíam há dois anos atrás. Para mim continuam ambas por provar e, não tendo ele conseguido aplicar as medidas que pretendia e julgava necessárias, nunca teremos essa prova.

    ResponderEliminar
  5. Um último apontamento:
    Registo a sua condescendência, caro Teixeira, na frase “Mas o que é sempre possível fazer é analisar a prestação governamental nos últimos dois anos sem lhe assacar toda a responsabilidade da sua destruição” (da economia).
    Por paralelismo, julgo que posso ter por certo que jamais assacaria toda a responsabilidade pela destruição da vida de um paciente seropositivo com uma septicémia generalizada ao médico a quem coubesse recebe-lo na Urgência, independentemente da terapia ter sido ou não ministrada na forma e doses mais consensuais…

    ResponderEliminar