Quando se descreve a geoestratégico-poética imagem da cintura islâmica ocupando uma posição estrategicamente central no Mundo está-se a reconhecer uma evidência geográfica enquanto se tenta simplificar várias outras evidências para benefício do impacto da descrição. É verdade que o Islão é uma única civilização e todas as sociedades muçulmanas, para além do estrito campo confessional, se baseiam em concepções e estruturas semelhantes ou similares em matéria de organização da família, da comunidade ou do Estado. Mas, pelo sucesso da sua própria expansão, há mais de um milénio que essas características comuns nunca se conseguiram traduzir numa capacidade concreta de constituir uma força política coerente para todo o Islão pela impossibilidade material de manter toda a comunidade (Umma) sob a autoridade de um mesmo poder político. Os ressurgimentos religiosos, como o do xiismo iraniano que tanto impressionaram o resto do Mundo há trinta anos, que se pretendem tradicionalmente refundacionais revelam-se afinal, quando enquadrados historicamente, fenómenos repetidos, localizados e tendentes a esgotarem-se ao fim de umas décadas.
Embora não aparecendo no mapa acima, até nós tivemos os nossos cá por Portugal com a vinda de Marrocos dos almorávidas no Século XI e dos almóadas no Século XII. Mas muitos outros movimentos de regeneração religiosa que apareceram ao longo dos quase catorze séculos que a História do Islão desapareceram politicamente mas perduraram ideologicamente para dar ao mapa a aparência matizada que acima se pode apreciar, com identidades próprias para o Irão e Iraque, para a Arábia Saudita, para o Iémen, para Omã, para toda a África Ocidental, mas também para a África Oriental ou ainda para toda a Malásia e Indonésia. De uma forma analítica, Samuel P. Huntington reconheceu implicitamente essa dificuldade para que o Islão adoptasse alguma coerência política quando reconheceu, no seu famoso livro Choque de Civilizações, que nesta, ao contrário de outras, não existia uma potência que nela pudesse vir a assumir nitidamente a hegemonia. Apresentado de uma forma mais prosaica, explique-se que o Paquistão bem pode, para efeitos de retórica, baptizar o seu arsenal nuclear de islâmico, mas não será isso que dissuade o seu vizinho Irão de trabalhar para vir a ter o seu, possivelmente por, para si, ser mais islâmico ainda…
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