08 agosto 2021

EXEMPLOS DE OUTROS «BUESCUS» DE OUTRAS PARAGENS... E DOS JORNAIS QUE OS SUSTENTAM

Assim como, por exemplo, em teatro, Tartufo se transformou do protagonista de uma famosa peça homónima de Moliére no padrão de personagem teatral hipócrita, também a pandemia da covid veio criar o epíteto de Buescu, por sinónimo de cientista que fomenta as maiores balelas alarmistas que depois não se concretizam, nome este que se baseia no apelido do matemático que desde a Primavera de 2020 nos prometeu vários apocalipses infecciosos (recordê-mo-los (1), (2), (3)(4)). Claro que, assim como um Tartufo precisa de um palco, um Buescu só subsiste com um jornal a dar ressonância às suas profecias. E, assim como um Tartufo transcendeu a França, também um Buescu transcende Portugal, prestemos atenção ao que tem vindo a acontecer desde há três semanas no Reino Unido, através do que o jornal local The Guardian tem vindo a noticiar. Um pouco de contexto prévio: o governo britânico havia-se decidido a levantar as medidas de confinamento a partir de dia 19 de Julho. Notava-se que o jornal The Guardian era visceralmente contra: nos princípios desse mês (dia 4) noticiava e comentava assim a decisão: «O primeiro-ministro irá anunciar o dia 19 de Julho como data para pôr fim às regras da covid apesar dos avisos dos cientistas». Tratava-se de uma decisão politicamente arriscada e o jornal mostrou-se bem longe de se resignar: na véspera, a 18 de Julho publicava o artigo da imagem acima, à esquerda, onde ia entrevistar um dos Buescus locais, o professor Neil Ferguson, que antecipava que a fasquia dos «100.000 casos (diários) era quase inevitável depois da Inglaterra desconfinar e que poderia atingir o dobro disso». O título, claro está, destacava este último número: «O número de casos de covid pode atingir os 200.000 por dia, diz o cientista que esteve por detrás da estratégia do confinamento». Aquilo que terá sido a sorte política de Boris Johnson foi o azar científico de Neil Ferguson, o cientista acarinhado pelo The Guardian: na semana que se seguiu a 19 de Julho, o número de casos diários foi diminuindo encadeadamente até aos 23.511. Depois, e porque o The Guardian estava longe de ser imparcial na forma como reportava o que estava a acontecer, o jornal ainda deu destaque a uma subida do número de casos em dois dias consecutivos, para depois, no dia seguinte, se arrogar adoptar uma posição de prudência (acima ao centro): «É muito cedo para dizer se as infecções por covid estão a diminuir na Inglaterra, advertem os peritos». É interessante comparar esta prudência com a falta dela, duas semanas antes, quando o The Guardian brandia, sensacionalisticamente, o número de 200.000 infectados/dia num título... Enfim, hoje completam-se três semanas desde aquelas primeiras previsões à Buescu, foram três semanas em que deixaram de estar em vigor as rígidas regras de confinamento sem que a catástrofe infecciosa tivesse ocorrido e o próprio Buescu deles já veio dar a mão à palmatória, ainda que num formato enviesado (acima à direita), admitindo que «mais confinamentos causados pela covid no Reino Unido são agora improváveis». O cientista apanhou um melão e, como é costume no jornalismo, os do The Guardian, fingem que não foi nada com eles... A última contagem publicada naquele jornal dá conta de 28.612 casos, o que é um pouco mais de 85% abaixo dos 200.000 casos que anunciara em cabeçalho há três semanas...

2 comentários:

  1. Caro A. Teixeira,
    Tem toda a razao. O Guardian faz um service deploravel ao dar pulpito a este escroque.
    No entanto, acho importante acrescentar uma tantas notas para ajudar contextualizar e matizar esta sua chamada de atencao:

    1) O Neil Fergusson nao e tao estupido quanto o Buescu, ja mudou a agulha do discurso.
    https://www.thetimes.co.uk/article/professor-neil-ferguson-interview-yes-my-prediction-was-off-well-learn-to-live-with-covid-k996nh3gm

    2) O verdadeiro misterio e como ele continua ter acesso ao ouvido de decisores politicos.
    2.1) A primeira vez que ouvi falar da criatura foi em 2001 - refiro-me ao surto de Febre Aftosa no Reino Unido - esta criatura foi quem deu principalmente a cara pela tactica de controlo adoptada (o "contiguous cull"). Uma hecatombe. Erro de Crasso nao descreve adequadamente o grau de estupidez da medida. Conseguiu a proeza de atrair o desprezo e opobrio de TODA a classe professional veterinaria (fomos nos - os meus colegas, salvo seja, eu ainda estudava - que fomos obrigados a fazer cumprir as ordens). Contributo significativo para que esse surto fosse por muitos e bons anos o mais caro de sempre na historia da medicina veterinaria governamental em qualquer parte do mundo.

    3) Assim sendo foi com grande desagrado que voltei a ve-lo catapultado para as paragonas dos jornais em Marco de 2020 com as suas famosas projecoes que levaram ao primeiro confinamento aqui no Reino Unido. Desagrado porque, apesar de ele ter dado a cara para impulsionar finalmente accoes adequadas de controlo, o fez de forma oportunistica para alem de que com um aliado destes, nao precisamos de inimigos… o tempo ca nos vem dar razao.

    4) Pessoalmente, em Julho, Quando o Boris anunciou o desconfinamento meia bola e forca, tambem discordei radicalmente. Mas nao preciso ca desse Neil Fergusson para formar a minha opiniao.
    Olhei antes para o desempenho do Boris e para o facto de a altura, em pleno Verao, apesar de ser Verao e apesar das campanhas de vacinacao a decorrerem a bom ritmo, esta variante Delta estava a conseguir fazer uma quarta vaga, algo que em 2020 NAO aconteceu.
    O Boris e maluco e um irresponsavel. Com um catalogo de erros na gestao desta pandemia que custou a vida a milhares de pessoas neste pais. Negligencia criminosa que num pais normal o devia ter posto no olho da rua.
    Finalmente, ao fim de ano e meio de pandemia, teve uma (mais uma!) decisao irresponsavel que foi, desta vez, bafejada com uma dose consideravel de sorte.
    Entre as ferias de Verao a limitarem naturalmente contactos e uma taxa de vacinacao muito boa, esta ultima vaga epidemica esta em retrocesso apesar do desconfinamento. Friso aqui, ja agora, que esta vaga foi senao causada, acelerada no Reino Unido (e por arrasto na Europa) em larga medida por incompetencia do Boris que nao fechou fronteiras com a India em pleno festival do Eid quando havia noticias da emergencia da variante Delta la - fechou o Bangladesh, O Paquistao, o Nepal...mas com a India estava tentar fazer um acordo commercial...).

    5) Ha muita incompetencia para dar e vender e todas as pessoas com responsabilidade na materia estao a navegar a vista.
    Pela minha parte preocupa-me muito mais a cobertura e apoio mediatico que um louco como o Boris recebe no tema da gestao pandemica porparte de jornais como o Mail, o Express, o Daily Telegraph, as Sky News e a cadeia de radio LBC.
    Aconselho vivamente que se leia o "Manufacturing Consent" do Noam Chomsky.

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  2. Este texto tem mais a ver com os órgãos de comunicação que dão ressonância às opiniões «científicas», ampliam-nas e, quando dá fiasco, fingem que não tiveram nada a ver com o assunto, neste caso o The Guardian, havia-se passado precisamente o mesmo cá «na aldeia» com o Observador e o Buescu (e ainda por cima insistiram!).

    Agora, outro assunto, quanto à reputação do Boris, tal qual ela pode ser apreciada aqui do continente, ela consubstanciar-se-á no resultado da sondagem publicada este Domingo pelo The Observer: à pergunta sobre quem poderia desempenhar melhor o cargo de 1º ministro, 31% dos britânicos responderam pelo Boris, 25% pelo Keir Starmer e 32% por uma «judiciosa» opção de resposta - «nem um, nem outro»...

    Ou seja, os dois primeiros números estarão já pouco acima dos 20% de incondicionais de qualquer um dos lados que acharia bem ter o «seu» governo mesmo se dirigido pelo Mr Bean (a personagem, não Rowan Atkinson...)

    Agora, há que reconhecer que o Boris ganhou em toda a linha esta sua aposta no desconfinamento. E ganhou-a porque as certezas científicas de quem achava que não, eram tão «seguras» quanto as dele que achava que sim.

    É por demais óbvio que Boris Johnson se farta de inventar, mas refutar as suas invenções, e porque ele é primeiro ministro, obriga-nos a perder tempo explicando porque aquilo que ele promete é impossível, inexequível ou tem um custo proibitivo como será o exemplo da ponte entre a Escócia e a Irlanda do Norte

    O que não se pode argumentar é com palpites que se vêm a revelar simétricos aos dele.

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