Com este, é o quarto livro de Paul Preston que leio. Três biografias (Franco, Santiago Carrillo e João Carlos) e agora este que é uma espécie de tratado sociológico sobre a incompetência (e muitos outros defeitos...) de todas as elites dirigentes de Espanha (a política, mas também a económica, a militar, a religiosa, a administrativa, etc.). Há que reconhecer que as pesquisas deste autor são sempre sólidas. A comprová-lo, neste livro, publicado originalmente em Março de 2020 e na sua versão portuguesa em Novembro do mesmo ano, existem 144 páginas de notas e referências. Mostra um excelente conhecimento da História recente de Espanha mas também me parece perceber um esforço(?) seu para se distanciar dos espanhóis, para os observar à distância, sem demonstrações de empatia. E esse distanciamento tanto pode ser um ponto forte (no caso da biografia de Franco), como também se pode revelar um ponto fraco (na de Santiago Carrillo). Aqui, acaba por se virar contra o autor como veremos no fim. É um livro cuja leitura deprime: tomemos, para exemplo, os títulos dos seus últimos seis capítulos (de um total de dezoito):
13 O regime de Franco: corrupção e terror (1945-1953)
14 O regime de Franco: corrupção e condescendência (1953-1969)
15 Os últimos anos de um regime corrupto (1969-1982 sic)
16 A difícil formação de uma democracia (1975-1982)
17 A grandeza e miséria de uma nova democracia (1982-2004)
18 O triunfo da corrupção e da incompetência (2004-2018)
Felizmente que as minhas fontes de informação são muitas mais do que estas que constam dos livros de Paul Preston, senão ficaria com uma impressão deprimente (e limitada) da evolução da Espanha depois de 1945. Para todos os efeitos, e apesar da corrupção, a Espanha é hoje a 14ª economia mundial e a 4ª da zona Euro. Para lá dos números, vê-se nos expositores dos supermercados, no sectores de frutas e legumes, que a Espanha tem uma agricultura pujante. E nada disso aparece expresso no livro. Talvez devesse e talvez não fosse despropositado que Paul Preston fosse dando conta da evolução da economia espanhola aos seus leitores ao longo do período em causa (como aparece no gráfico acima), um crescimento que aconteceu mau grado toda a corrupção de que o livro vai dando conta... Por fim, e voltando aos capítulos, sente-se a falta de um 19º capítulo, uma apreciação sobre o futuro de Espanha a partir de 2018. Não teria sido interessante Paul Preston adicionar algumas sugestões para combater a corrupção que parece endémica – tanto em ditadura como em democracia - das elites espanholas?... Pelos vistos, não, as preocupações com o «povo traído» do título ficam precisamente assinaladas pela ausência de empatia com o espanhol comum que assinalei mais acima.
Mas a grande pergunta que me ficou, foi a de saber como é que no Reino Unido se reagiria se um hipotético «Paul Preston» espanhol escrevesse um livro simétrico sobre o comportamento (e a venalidade) das elites britânicas nos últimos 150 anos? Ao contrário da Espanha, a economia do Reino Unido tem perdido importância à escala mundial. Será que por lá as elites são menos corruptas? Ou será que é apenas uma questão de habilidade e hipocrisia em encobri-lo?
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