10 agosto 2021

A PRODUÇÃO DA BOMBA DE NEUTRÕES

10 de Agosto de 1981. A administração norte-americana anunciava que se decidira a proceder à produção de bombas de neutrões. No seu alinhamento canónico, o Diário de Lisboa não escondia ao que vinha: a decisão era personalizada em Reagan (o mau...), a bomba de neutrões era «uma arma terrível», «cujo fim é aniquilar a população e não os edifícios» e «a União Soviética frisou já que não ficará indiferente à construção de bombas de neutrões que classificou de desumanas bárbaras e canibalísticas». Prometia-se um «cortejo de protestos» e no próprio Diário de Lisboa militantemente antecipavam-se. Parecia terrível, mas hoje está tudo esquecido.
A questão da bomba de neutrões parece estar há muito esquecida mas acabou por se tornar, conjuntamente com a Iniciativa de Defesa Estratégica (SDI – mais conhecida por Guerra das Estrelas), num dos episódios mais significativos da fase tardia da Guerra-Fria. E, tal como a Guerra das Estrelas, era também um dispositivo tão brandido pela Administração Reagan como contestado pelas sucessivas lideranças soviéticas, mas cuja eventual utilidade em caso de conflito quente, ter-se-ia revelado praticamente nula…
Explicada de uma forma simplificada, uma bomba de neutrões é um dispositivo nuclear de fissão (uma bomba atómica clássica) que foi transformado para que uma parcela da energia libertada com a detonação o faça na forma de radiação. Mesmo assim, isso só acontece a cerca de 35% da energia libertada (são 15% nos dispositivos tradicionais), o que quer dizer que, mesmo assim, os efeitos destrutivos que uma bomba de neutrões produz através das ondas de choque e do calor continuam a ser impressionantes… Concebida teoricamente em 1958 nos Estados Unidos (não se sabe em que data o terá sido na União Soviética...), a configuração só veio a ser experimentada cinco anos depois, mas demorou quase 15 anos depois disso a passar para a fase de produção. A questão inicial (que também se terá posto do lado soviético) é que não havia razões militares para o fazer. A única vantagem de uma bomba de neutrões sobre uma convencional é que, para a mesma potência, teria um alcance e uma capacidade superiores de destruição dos organismos vivos…
Até que houve alguém no Pentágono que conseguiu descobrir um cenário táctico que poderia justificar o seu emprego: a bomba de neutrões poderia ser mais vantajosa do que o armamento nuclear tradicional quando empregue contra as unidades blindadas numa eventual invasão da Europa Ocidental pelos exércitos do Pacto de Varsóvia. Nesse caso, a protecção constituída pelos blindados, mesmo quando eficaz contra o choque e o calor, seria ineficaz contra as intensas radiações da bomba. O equipamento sobreviveria, mas os tripulantes não…
Esta faceta cruel de uma arma que preserva (comparativamente) tudo o que é inanimado enquanto aniquila os seres vivos foi uma das mais exploradas pela campanha que foi desencadeada no países ocidentais – com o apoio evidente da União Soviética – contra a adopção da arma pelos arsenais da NATO. A Administração Carter ainda estabeleceu uma moratória em 1978, mas a de Reagan recomeçou a sua produção (1981). E entretanto, com menos espavento, também a França começou a produzir a bomba de neutrões (1982).
Tanto ou mais do que os protestos populares e das condições muito específicas em que a arma devia ser utilizada, terá havido duas razões para a rápida eliminação da bomba de neutrões dos arsenais nucleares. Uma delas relaciona-se com as condições de armazenamento. A bomba de neutrões usa um gás que é o isótopo radioactivo do hidrogénio (o trítrio, H³) que é relativamente instável (tem uma vida média de 12,32 anos). Isso obrigava a que houvesse um custoso sistema de manutenção para que o armamento permanecesse operacional.
A outra, está associada à descoberta da forma como o organismo humano reage perante certas dosagens maciças de radiação (acima Chernobyl). Depois de uma fase inicial de náuseas e apesar de uma morte certa, os organismos recuperam por um período que poderá chegar a ultrapassar as 24 horas, que é designada por fase de fantasma ambulante. Ora, ao contrário do que seria a intenção inicial do inimigo, adivinhar-se-ia como poderia ser a determinação fanática e suicida dos militares atingidos, após se saberem condenados a uma morte em agonia…

2 comentários:

  1. Caro A. Teixeira,
    Este aniversario lembra-me uma semi-piada no audiolivro que estou de momento a ouvir, Absolute Friends do John Le Carre.
    O protagonista Ted Mundy pouco antes de se encontrar com o seu amigo Sasha o lider do movimento estudantil anarquista na Berlim de Leste algures no final dos anos 60 (ainda nao acabei e portanto nao sei percebi se sera antagonista ou companheiro de curso, no caso do Le Carre as vezes e dificil de perceber…)
    Enfim… no dormitorio illegal em que estes estudantes estao alojados ha um cartaz, obviamente sarcastico, a dizer:

    "Apoia a bomba de neutroes! Matara a tua sogra e mantem a TV intacta!"

    :-)

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  2. Para que o rigor histórico seja respeitado, essa cena ficcional terá de ter lugar nos anos finais da década de 70, não 60.

    E o slogan é emblemático da ultrassimplificação que a propaganda dera ao tópico: como explico no texto, a configuração da bomba transferira apenas uma parte adicional (de 15 para 30%) da sua energia de uma bomba convencional para radiações, mas a percepção popular era que se tratava de uma bomba que não explodia, apenas irradiava.

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