21 fevereiro 2008

DE VOLTA A OUTRA DISPUTA ESPACIAL?

A notícia da tentativa de abate de um dos seus satélites espiões que ficou desgovernado, por parte do Departamento de Defesa norte-americano está a fazer-nos regressar aqueles enredos mal amanhados do período mais escaldante da Guerra-Fria, em que quase parecia que havia uma regra não escrita entre americanos e soviéticos que estabelecia que quem dissesse alguma parcela de verdade, perdia pontos… A versão oficial da história está pejada de buracos na sua credibilidade e no fim, nem faltam umas 24 Horas de expectativa para avaliação dos resultados, qual série de televisão

A notícia do satélite desgovernado e do míssil que o iria tentar abater sobre o oceano começou a ser preparada para o auditório mundial há cerca de uma semana, quando irrompeu na comunicação social. E logo então o enredo da história se afigurava muito inverosímil: não se costuma assumir com tanta publicidade estes fracassos técnicos em satélites espiões; o local onde decorreria a operação – em pleno oceano – permitia correr o risco de mantê-la secreta; o motivo invocado para o abate preventivo do satélite – um composto tóxico – fazem sorrir quem se lembrar do passado…
Quase todos os satélites artificiais situados em órbitas baixas regressam à Terra. É um acontecimento muito frequente embora não costume ser um acontecimento mediático. A não ser quando as coisas correm mal mas, mesmo aí e em plena Guerra-Fria, parecia haver uma espécie de entendimento corporativo entre os responsáveis dos dois lados para não dar destaque aos fiascos do oponente. O caso do Cosmos 954 soviético foi uma das excepções, porque era alimentado por um gerador nuclear e quando caiu em Janeiro de 1978, contaminou radioactivamente uma parte do (felizmente despovoado) Noroeste do Canadá.

Há quem diga que, perversamente, os norte-americanos chamaram a atenção para o incidente do Cosmos 954 também para amenizar previamente a antecipada queda da antiga estação espacial Skylab, menos tóxica, mas incomparavelmente muito maior*, que veio a ocorrer em Julho de 1979, sobre o Oceano Índico, mas também sobre a Austrália Ocidental, alegada e felizmente matando apenas uma vaca... Mas o mesmo tipo de incidentes continuou, como foi o caso do Cosmos 1402, também com um gerador nuclear, que em Fevereiro de 1983 se desintegrou sobre o Atlântico Sul**.
Regressando ao presente e às explicações menos conseguidas, já em 1979, por ocasião da queda do Skylab, houve quem propusesse que se abatesse a estação espacial, para que ela caísse numa zona controlada, num oceano. Para além das dificuldades técnicas em fazer explodir um alvo movendo-se àquela velocidade, seria inútil fazê-lo porque apenas se decomporia a enorme estação espacial numa multidão de objectos mais pequenos, algo que viria a acontecer naturalmente quando ela atingisse as camadas superiores da atmosfera terrestre e o atrito a desfizesse.

Foi o que aconteceu, e dessa vez infelizmente, no desastre que atingiu a nave espacial Columbia em Fevereiro de 2003. Esse problema não se pôs a Bruce Willis e à sua equipa de exploradores no filme Armageddon, mas toda a gente sabe que a presença de Bruce Willis e o patrocínio de uma produtora de Hollywood, gera todo um sortido novo de Leis da física… e é assim que a decomposição de um calhau enorme numa miríade de calhaus mais pequenos até pode ter um efeito benéfico para a Humanidade… Deve ser por isso que o Departamento de Defesa deles nos tenta contar enredos destes…
Muito mais a sério e mais afastado dos holofotes da comunicação social, há cerca de um ano (Janeiro de 2007) a China realizou um teste anti-satélite, destruindo um dos seus próprios satélites mais antigos. O teste foi bem sucedido e, na altura, os norte-americanos mostraram-se oficialmente incomodados com os destroços que o teste provocara (pelos vistos, as posições da Administração Bush são tanto mais ecológicas quanto mais longe se está da Terra…) e, imagina-se, internamente preocupados com a capacidade demonstrada pela China para lhes destruir infra-estruturas indispensáveis (as telecomunicações, o GPS, etc.) em caso de conflito.

Sabe-se hoje, que havia muito de efeitos especiais de Hollywood nos testes da IDE*** do tempo de Reagan, um programa que então prometia proteger os Estados Unidos contra uma ofensiva nuclear soviética: os alvos que eram reportados como abatidos vinham em rotas pré-estabelecidas e conhecidas de antemão pelos defensores, uma gentileza que dificilmente os soviéticos reproduziriam em situação de conflito real. Enfim, são aquelas pequenas batotas que apenas se confessam quando se está na posição de vencedor depois do fim do jogo – a Guerra-Fria
Depois dela, os Estados Unidos não têm sido desafiados no campo da tecnologia militar. Afinal, não é em vão que são eles que gastam mais de metade das despesas com a defesa em todo o Mundo. Mas neste caso do Espaço, e especificamente no âmbito técnico, é muito provável que os norte-americanos se tenham considerado desafiados com o teste chinês e tenham resolvido mandar este recado público. Que até pode vir a ter vários outros destinatários (a China, mas também a Rússia ou o Irão). Mas, pela qualidade da história que inventaram, ser-lhes-á preferível que os cientistas se venham a mostrar melhores que a malta das relações públicas…

* O Cosmos 954 tinha 3,8 toneladas, o Skylab era cerca de 20 vezes maior (77 toneladas).
** Em Fevereiro de 1991, foi a vez dos soviéticos deixarem cair a sua estação orbital (Salyut 7) em cima da Argentina.
*** IDE – (em inglês SDI) Iniciativa de Defesa Estratégica. Normalmente tratada pela comunicação social norte-americana como Star Wars, a partir dos filmes com o mesmo nome. Torna-se engraçado, porque nem imaginavam como andavam ironicamente próximos da verdade…
Aqui, vale a pena ler uma excelente análise técnica sobre a intercepção e a história construída à sua volta.

7 comentários:

  1. Este é o tipo de estória contada para norte-americano acreditar!
    Creio que uma elevada percentagem de nativos ainda acredita no Pai-Natal ou nunca teriam eleito dois Bush... e um Reagan!

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  2. Praticamente todos os veículos espaciais têm pequenos propulsores de "Hydrazine" para des-saturarem as rodas inerciais e manobrarem no espaço. É o padrão do sistema de AOCS (attitude and orbital control system) que todos as naves têm. A sua toxicidade nunca foi preocupação para ninguém.

    Quanto ao céptico impaciente, lembro-lhe que com a a missão Deep Impact os Estados Unidos já se tinham demonstrado tecnicamente capazes de realizar manobras de "Intercepção Cinética" a 10 km/s(se bem que nesse caso a precisão foi de 200 metros).

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  3. Permita-me que publicite o link para a minha perspectiva técnica sobre o assunto.

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  4. As minhas desculpas. Eu é que já o devia ter feito.

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  5. Caro Tárique!
    A minha observação é apenas resultante da "milonga" norte-americana inventada para justificar a destruição de um satélite comprometedor...
    Só isso!

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  6. Herdeiro: Obrigado! :)

    Impaciente: E que milonga foi! :)

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