17 fevereiro 2008

FESTIVAL RTP DA CANÇÃO: A DESCOBERTA DO “MICROFONE DOURADO”

Num país onde já se sabia de antemão quem ganhava as eleições (em 1969 foi a ANP em vez da UN, mas apenas porque a UN havia mudado de nome… para ANP*) e quem ganhava os campeonatos de futebol (era sempre o Benfica, só que de 3 em 3 anos calhava ao Sporting, para a coisa não ser controversa**…), os Festivais da Canção da RTP pareciam-me uma das raras oportunidades em que havia a emoção de descobrir uma competição onde o vencedor não fossem os suspeitos do costume. O Festival da Canção da RTP de 1971 marcou-me porque foi o primeiro em que me apercebi como também ali estava montada uma máquina promocional à volta de algumas das canções concorrentes. Apesar das canções mudarem de ano para ano, também ali havia, à sua maneira, os suspeitos do costume.
Apercebi-me que ainda uma nota não fora entoada e já se deixavam escapar para a imprensa opiniões sobre a hierarquia dos favoritismos das canções concorrentes, o que era, se se pensasse atentamente como eram as características e regras do festival, um perfeito absurdo, porque o que estava em disputa era o gosto popular. Ainda hoje não sei se foi a evolução da minha maturidade ou se terá sido a evolução da sofisticação das técnicas promocionais, a verdade é que quando se abriram as cortinas para a transmissão do Festival de 1971 (no Tivoli e apresentado por Ana Maria Lucas - na fotografia inicial), os telespectadores já estavam avisados que a disputa se iria travar entre Menina interpretada por Tonicha (acima) e Flor sem Tempo interpretada por Paulo de Carvalho (abaixo), com Cavalo à Solta de Fernando Tordo, como outsider.
A partir dos registos do You Tube, nota-se que a canção vencedora, Menina, foi naquela ocasião interpretada com um arranjo coral inicial completamente diferente da versão com que a mesma canção veio depois a ficar popularizada e que em Flor sem Tempo, Paulo de Carvalho daquela vez não se enganou na letra, como era quase uma tradição sua em festivais. Nota-se também a coincidência de, apenas no caso da apresentação da canção que depois veio a vencer, terem sido focados os autores da mesma, mas isso pode ter-se tratado apenas disso: uma coincidência, decidida pela realização, assim como haveria outras coincidências, decididas pela arbitragem nas grandes áreas dos adversários do Benfica, e ainda mais outras, decididas pelos responsáveis das mesas eleitorais em dias de votação e escrutínio…
Ainda mais curioso, porque um dos autores acima focados (José Carlos Ary dos Santos) se apresentava a concurso com outra canção, Cavalo à Solta, e o mesmo plano e a mesma câmara poderia também ter sido aproveitados para a apresentação dessa outra canção… mas não foram. Cavalo à Solta, que então se classificou apenas em 3º lugar apesar do entusiasmo cénico de Fernando Tordo (acima - aquela saída de cena...), muito provavelmente por causa do fraco investimento promocional feito pela editora, viria a ser eleita, numa eleição muito posterior, como uma das melhores canções de sempre de todos os Festivais. Mas entre os inúmeros elogios que já lhe vi referidos, nunca li nenhuma crítica à letra da canção que também subscrevesse a minha opinião sobre a pederastia que ela parece sugerir (Ary dos Santos era assumidamente homossexual).
Deixei para o fim, a primeira canção que se apresentou então a concurso, intitulada Verde Pino e interpretada por Daphne (acima). Pelo estilo, suponho que o autor da canção tenha sido o mesmo Nuno Rodrigues que veio a ganhar notoriedade na Banda do Casaco, mas a coligação que então se formou para deitar abaixo a sua canção era insuperável: desde a falta de potência na voz da intérprete, à orquestração que a abafava, à sua falta de à vontade que a fazia desempenhar a coreografia de uma forma desajeitada, o afastar dos cabelos, mais as fífias, tudo aquilo só piorava ainda mais com os planos próximos da realização, que mostravam aos telespectadores o pânico que ia nos olhos da intérprete… Até pela solenidade, deve tratar-se de um dos momentos de televisão mais penosos de que tenho memória...

* ANP – Acção Nacional Popular UN – União Nacional
** Campeões Nacionais de Futebol: 1960 e 61 Benfica, 1962 Sporting, 1963, 64 e 65 Benfica, 1966 Sporting, 1967, 68 e 69 Benfica, 1970 Sporting, 1971, 72 e 73 Benfica, 1974 Sporting.

Este poste é especialmente dedicado a alguém que aprecia sobremaneira estas questões festivaleiras e que não gosta de ser tratada pelo diminutivo... e que, pelos vistos, nem se digna comentá-lo.

6 comentários:

  1. Resta acrescentar que os artistas, entre duas canções, descansavam à sombra dos sobreiros da Portucale e, à noite, jogavam no simpático casino da Estoril-Sol...

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  2. Com todo o respeito e sem qualquer intuito de polemizar. Na minha modesta opinião, “Cavalo á solta” é uma das melhores canções que até hoje se escreveram em Portugal.
    O poema pode ser interpretado livremente e creio que a interpretação que faz é legítima. Até por isso devemos sublinhar a “coragem de correr” contra o puritanismo hipócrita, que o poeta manifestou.
    A homossexualidade não é contagiosa, provavelmente o mesmo não se poderá dizer da homofobia. Digo eu, que sou heterossexual e que entendo que cada um deve ser livre para seguir a orientação que lhe aprouver, desde que não me incomode e, obviamente, respeite a liberdade dos outros.
    É certo que a humanidade existiria sem Leonardo, Miguel Angelo, Tchaikovsky, Oscar Wilde, Passolini, Lorca, Cocteau, etc., mas seria muito mais pobre.

    A minha unica militancia é o Benfiquismo, mas na "reserva". Nem imagina como gostei de recordar esses anos de "futebol dourado" que não há meio de voltarem.
    Boa semana e bons posts

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  3. Possivelmente teria de ter sido mais explícito na referência que fiz à letra de Cavalo à Solta.

    Não creio que haja ali nenhuma crítica ao seu conteúdo, apenas manifestei a minha estranheza que em todos as referências que desde sempre ouvi à canção, não me lembro que tenha havido qualquer alusão à natureza amorosa homossexual (com sugestões de pederastia) da mesma, sem emitir qualquer juízo de valor sobre a homossexualidade (que era assumida, a do autor), mas sim aludindo, como refere, àquilo que me parece um certo desconforto em a nomear por muitas pessoas a quem já ouvi elogiar à canção.

    E nem é porque isso possa ser importante para a apreciação estética do poema - que considero muito bonito - mas é uma omissão que marca um enorme contraste com aquelas análises rebuscadas que, por exemplo, detectam a "homossexualidade escondida" nas obras de Eça de Queirós ou doutros autores...

    Pois bem, aqui no poema de Ary dos Santos ela não me parece nada escondida. Será por isso que ninguém se refere a ela?

    Mudando de tema: para recuperar os anos do "futebol dourado" do Benfica não há nada melhor que recuperar o controlo do Conselho de Arbitragem.

    Boa Semana!

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  4. A assunção das opções é sempre mais honesta do que a sua camuflagem, só que nem sempre é possível e muito menos seguro.

    Quanto à "provocaçãozinha" sobre controlo do Conselho de Arbitragem, subscrevo inteiramente, o grave é que os Alquimistas de agora são outros e já lá estão há duas décadas, até porque, infelizmente, a concorrência não passa de pechisbeque.

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  5. Ora bem, já com pequeno atraso, aqui ficam algumas considerações:
    - Na verdade, a Ana Maria Lucas referiu,pelo menos nestes 4 vídeos, os nomes dos autores das canções.
    - Nunca tinha reparado que a versão da canção da Tonicha que tinha sido apresentada em Portugal (a original) fosse tão diferente (só me lembrava da outra, a que ficou mais popular). Devo dizer que o primeiro coro era muito horrível, pelo menos agora acho ;)
    - Acho as três primeiras canções lindas, todas elas, ainda hoje são muito bonitas, tanto as letras como as músicas, o melhor intérprete é o Paulo de Carvalho, tem uma voz excelente (ele enganava-se tanto assim nas letras? lol), já não me recordava daquela saída do Fernando Tordo, nem da dicção tão pronunciada nos ss que ele tinha naquela altura, acho que foi corrigindo com o tempo. Cavalo à Solta tem um poema belíssimo, mas Ary era um grande poeta mesmo. Nunca tinha pensado bem na questão da homossexualidade estar tão patente no poema...
    - Quanto a Daphne... o que dizer? Deves ter dito tudo, coitadinha...
    Acho que se fosse ela e me revisse naquela linda figura, afastando o cabelo, com o sorriso tão forçado, a voz tão fraquinha e tão em falsete, os pés pregados no chão, com a melodia a fugir dela, ahhh Deus! Eu acho que fugia literalmente do país para um outro bem longee... não sei se não andaria sempre de óculos escuros como o Abrunhosa...

    Adorei o artigo, sabes?
    Beijinhos ;))
    Cristina Loureiro dos Santos

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  6. Tens é que pesquisar mais vídeos com velharias...

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