Ainda a propósito da alusão à Primavera de Praga, feita dois postes abaixo, merece a pena uma referência a um filme checo de 1967 intitulado Hoří Má Panenko e que depois veio a passar em Portugal já em meados da década de 70 com o título O Baile dos Bombeiros. O realizador desse filme era Miloš Forman, que depois se veio a notabilizar com Voando Sobre Um Ninho de Cucos ou com Amadeus.
É um filme difícil de encontrar (a versão que possuo, em DVD, é a francesa – país onde ele foi baptizado Au Feu, Les Pompiers!), mas foi um filme que, estreado em Praga imediatamente antes da época da Primavera de Praga, veio a ter a sua distribuição internacional no Verão de 1968, precisamente em cima dos acontecimentos que depois levaram à invasão da Checoslováquia em Agosto desse mesmo ano.
Forman bem pode manter ainda hoje que se trata de uma comédia simples, burlesca, sem qualquer pretensão alegórica, mas a história do filme – um baile de bombeiros de uma povoação rural onde acontece de tudo do mais disparatado que se possa pensar… – é por demais saborosa para não se estabelecerem paralelos com aqueles regimes rígidos e formais então em vigor nos países da Europa do Leste – e Meridional…
É que, apesar do aproveitamento anticomunista de que dali se podia extrair, não tenho notícias de que o filme tenha passado em Portugal antes do 25 de Abril*, talvez por causa das fáceis analogias que dali se retirariam com o próprio regime português. Se não estiver enganado, o lançamento de O Baile dos Bombeiros entre nós ter-se-á aproveitado da notoriedade de Miloš Forman como realizador que venceu o Óscar de 1976**.
Pelas razões óbvias, O Baile dos Bombeiros também não era (como não deve continuar a ser...) um filme popular junto da intelectualidade comunista. Mas recordo-me do agradável efeito de surpresa que o filme me provocou na altura, ao descobrir que do outro lado do Muro, ao contrário do que era costume e apesar da nossa pouca familiaridade com a língua***, também se realizavam bons filmes e que entretinham.
Claro que o realizador acabara por ter de se exilar na sequência dos acontecimentos de 1968, tendo-se radicado nos Estados Unidos. O episódio tinha um significado muito preciso quanto à liberdade artística existente nos países socialistas, numa época em que a nossa inexperiência política colectiva ainda nos fazia ter dúvidas quanto às mais amplas liberdades democráticas a que Álvaro Cunhal se referia…
* Mas há quem saiba bem mais do que eu. Veja-se a caixa de comentários.
Forman bem pode manter ainda hoje que se trata de uma comédia simples, burlesca, sem qualquer pretensão alegórica, mas a história do filme – um baile de bombeiros de uma povoação rural onde acontece de tudo do mais disparatado que se possa pensar… – é por demais saborosa para não se estabelecerem paralelos com aqueles regimes rígidos e formais então em vigor nos países da Europa do Leste – e Meridional…
É que, apesar do aproveitamento anticomunista de que dali se podia extrair, não tenho notícias de que o filme tenha passado em Portugal antes do 25 de Abril*, talvez por causa das fáceis analogias que dali se retirariam com o próprio regime português. Se não estiver enganado, o lançamento de O Baile dos Bombeiros entre nós ter-se-á aproveitado da notoriedade de Miloš Forman como realizador que venceu o Óscar de 1976**.
Pelas razões óbvias, O Baile dos Bombeiros também não era (como não deve continuar a ser...) um filme popular junto da intelectualidade comunista. Mas recordo-me do agradável efeito de surpresa que o filme me provocou na altura, ao descobrir que do outro lado do Muro, ao contrário do que era costume e apesar da nossa pouca familiaridade com a língua***, também se realizavam bons filmes e que entretinham.
Claro que o realizador acabara por ter de se exilar na sequência dos acontecimentos de 1968, tendo-se radicado nos Estados Unidos. O episódio tinha um significado muito preciso quanto à liberdade artística existente nos países socialistas, numa época em que a nossa inexperiência política colectiva ainda nos fazia ter dúvidas quanto às mais amplas liberdades democráticas a que Álvaro Cunhal se referia…
* Mas há quem saiba bem mais do que eu. Veja-se a caixa de comentários.
** Com Voando Sobre Um Ninho de Cucos.
*** Ainda me lembro que a legendagem era feita a partir da versão francesa e não da original.
*** Ainda me lembro que a legendagem era feita a partir da versão francesa e não da original.
Também me lembro dele e por ter achado estranho um filme checo falado em francês.
ResponderEliminarDesconhecia que tinha valido ao realizador o exílio mas não tinha outro caminho, se quisesse manter a liberdade de continuar a respirar...
Caro António Teixeira,
ResponderEliminarO filme de Milos Forman "O Baile dos Bombeiros", assim como "Os amores de uma Loira", passou em Portugal antes do 25 de Abril, julgo que em 1970. Era até passado em bastantes sessões de cine-clubes. Lembro-me que lhe dediquei uma crítica publicada (com muitos cortes da censura) no semanário "Notícias da Amadora".
Do ponto de vista do antifascismo, o que se salientava era o paralelismo entre o universo fechado e provinciano checo e o do fascismo à portuguesa. Paralelismo que era utilizado para uma crítica indirecta à sociedade portuguesa da época. Julgo que a correspondência entre a irreverência de Forman nos seus filmes e o seu exílio, como castigo ao seu inconformismo cinematográfico, também não é rigorosa. O tipo de crítica comportada na "jovem cinematografia" de Leste, saliente nos casos checo, polaco e húngaro, era benevolentemente tolerada e até porque vendia bem para a exportação. Os problemas de Forman (e de outros) com o regime deram-se pelo seu envolvimento na associação de realizadores que se empenhou na "Primavera" e que colidiu , depois, quando da "normalização" à Husak. E Forman preferiu ir fazer cinema para outras bandas.
Abraço do
João Tunes
Caro João Tunes
ResponderEliminarAgradeço a sua informação que corrige a minha, sobre a estreia do filme em Portugal, que ocorreu antes de 1974. Assim sendo, concluo que o filme foi relançado no circuito comercial em 1976, e foi só nessa altura que o vi.
Pelo que leio, estou muito longe de me comparar a si como apreciador de cinema, e presumo que haja uma geração a separar-nos, porque a minha apreciação é baseada nas circunstâncias do pós-25 de Abril, em que havia uma predisposição favorável a todo o cinema que viesse do Leste e, objectivamente, embora houvesse relutância em confessá-lo, mantenho a opinião que – intelectualidades “de Quarteto” à parte… – a maioria das pessoas consideravam a maioria do material que de lá vinha muito maçador…
É neste cenário, que suponho um pouco diferente do seu, que avalio o filme de Forman (como era o caso, na televisão, da série polaca “Os Quatro do Blindado e o seu Cão): era engraçado e estava bem feito.
Não me posso pronunciar especificamente sobre a benevolência com que eram aceites os trabalhos dos realizadores checos, polacos ou húngaros. Cumpre-me aceitar a sua opinião. Contudo, posso-me pronunciar genericamente sobre a benevolência que às vezes é concedida por esses regimes: ela só se mantém quando envolve o acessório. Basta lembrarmo-nos do nosso exemplo da Ala Liberal (não a do Pires de Lima, mas a outra, a genuína, a da Bayer…).
Acredito que o exílio (ou a emigração) de Milos Forman para os Estados Unidos podem ter-se verificado nas circunstâncias que refere, mas tenho a convicção que há ali uma falência genérica de todo o regime checoslovaco, que não consegue acomodar os seus cidadãos que mostrem ter sucesso no estrangeiro: recorde-se o que aconteceu aos tenistas Ivan Lendl e Martina Navratilova, que acabaram por se tornar norte-americanos, e tenho dificuldades em imaginar razões ideológicas para o terem feito…
Com os meus agradecimentos e retribuindo o abraço
A.Teixeira