27 fevereiro 2008

SOBRE O SIGNIFICADO POLÍTICO E O IMPACTO VISUAL DA IMOLAÇÃO

Quase ninguém se lembrará de quem foi Thich Quang Duc (1897-1963), mas haverá muita mais gente que se lembra da fotografia abaixo, tirada em Saigão em Junho de 1963. O impacto da fotografia, cujo autor que veio a ser distinguido com um Prémio Pulitzer, ajudou a sensibilizar a opinião pública e publicada norte-americana para a necessidade de substituir o regime sul-vietnamita, numa altura em que o problema vietnamita ainda era um embrião de problema para os Estados Unidos.
Para quem acredita nos acasos, esclareça-se que a imprensa norte-americana no Vietname do Sul fora devidamente avisada de véspera que algo de importante se iria passar de manhã naquele local - que era um dos cruzamentos mais frequentado das ruas de Saigão - e que os cartazes da comitiva que acompanhava o suicida estavam escritos tanto em vietnamita como em inglês, considerando quem seriam os verdadeiros destinatários daquela cerimónia macabra.
A sociedade norte-americana parece ter sempre reagido com desconforto a qualquer tipo de suicídio quando seja praticado por razões sociais*. Contudo, supõe-se que originário da Índia, e disseminada a partir daí pelo budismo (religião de que Thich Quang Duc era monge), a imolação tornara-se uma prática corrente na Ásia muito antes do aparecimento das máquinas fotográficas… A novidade do gesto em 1963, muitas repetido depois (veja-se acima e abaixo), consistiu em fazê-lo por causas políticas e na publicidade que lhe foi dada…
Alguns desses episódios foram sérios, mas outros chegaram a beirar o ridículo, como o activista da fotografia acima, que se pretendia suicidar pelo fogo, mas ao lado de um lago ou piscina, por razões fáceis de adivinhar… Outros, pelo contrário, tornaram-se famosos sem que se tenha (que eu saiba) um registo fotográfico do seu gesto: foi o caso do estudante checo Jan Palach (1948-1969) que se imolou em Janeiro de 1969 em protesto pela invasão soviética do seu país, que ocorrera em Agosto do ano anterior.
O local está assinalado através do discreto monumento no passeio que se vê acima e que se localiza no cimo da Václavské Náměstí (Praça Venceslau), quase precisamente no local de onde foi tirada a fotografia da Praça que se vê em baixo, e que é a zona mais central de Praga. Nunca mais me esquecerei, porque quase tropecei literalmente no monumento, num dia em que me dispunha a ir à sua procura e nem foi preciso pedir informações, porque o encontrei a cerca de uns 100 metros da porta do hotel onde ficara…
Mas foi o funeral de Jan Palach que se tornou o grande evento aproveitado politicamente para protestar contra a presença das tropas do Pacto de Varsóvia (sobretudo soviéticas) na Checoslováquia. Parece também não haver muitas fotografias da multidão que acompanhou a cerimónia… Como se assinala numa cena de A Insustentável Leveza do Ser, as que haviam sido tiradas nos protestos de Agosto e Setembro de 1968 haviam sido depois aproveitadas pela polícia política para a identificação dos activistas…

* Desde os kamikazes da Segunda Guerra Mundial até aos terroristas do 11 de Setembro.

4 comentários:

  1. Excelente post que termina numa referência a um livro/filme muito bons.

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  2. Existe também um singelo monumento a Jan Palak e a outra estudante, igualmente na praça Vaclav, com uma pequena cruz,duas fotografias, um epitáfio e umas fitas com as cores checas em volta, num canteiro. Não tenho ideia do memorial que aparece nessa fotografia.

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  3. Está no passeio diante do Museu Nacional, no topo mais elevado da Praça, mas como é raso, ou se "tropeça" nele como me aconteceu, ou tem de se ir a olhar deliberadamente para o chão.

    Assinala precisamente o local onde Palach se imolou.

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  4. JRD, é um livro e um filme sobre um daqueles raros acontecimentos que, de tão transparente, me parece que só não o percebeu quem não o quis perceber...

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