Hesitei um pouco antes de escolher o título do poste, porque ele me parece portentosamente hermético! Confesso que começar um texto pela referência a um remoto estado da União Indiana a que quase ninguém se refere* pode assustar qualquer um, pela erudição associada – menos o João Miranda, mas esse é um moço destemido, que vai a todas… Todavia, a verdade simples é que este texto é mesmo sobre esse estado e sobre as disputas que a Índia e China tem vindo a travar a seu respeito. Há uma história antiga a respeito dessa disputa, que pode ser consultada na Wikipedia, para quem estiver interessado em sabê-la, mas simplificadamente, saiba-se que um estado que tem um nome com uma sonoridade tão indiana como Arunachal Pradesh é afinal habitado por uma população muito pouco indiana, como se pode confirmar pela fotografia abaixo.
Entre os 16 distritos do estado (com 1.100.000 habitantes e 84.000 Km²), um dos mais pequenos (40.000 habitantes e 2.100 Km²) chama-se Tawang e embora se localize geograficamente na encosta sul dos Himalaias, faz parte do Tibete histórico: um dos Dalai Lamas era dali originário e ali se localiza o maior mosteiro do budismo tibetano existente fora do próprio Tibete. Embora a China conteste a soberania indiana sobre quase todo o território do Arunachal Pradesh (veja-se mais abaixo o mapa com a reinvindicação chinesa assinalada a vermelho), a que dão o nome de Tibete do Sul (...), no caso de Tawang, a posição da China apresenta-se ainda mais assanhada. Desde a Guerra Sino-Indiana de 1962, que a questão do traçado das fronteiras entre os dois gigantes asiáticos tem fluído e refluído da atenção da imprensa mundial, sobretudo por ocasião dos encontros entre os altos responsáveis dos dois países, mas, de substancial, além de alguns incidentes militares em 1967 e em 1987, pouca coisa aconteceu para sanar os desentendimentos.
Contudo, em 2005, por ocasião da visita do Primeiro-Ministro chinês Wen Jiabao a Nova Deli, os indianos acreditaram que haviam conseguido algo de concreto com uma declaração conjunta de que as rectificações de fronteiras que viessem a ser acordadas não afectariam as populações locais, o que reduziria significativamente o âmbito do que seria objecto de discussão. Afinal, parece que o entendimento chinês sobre o conceito de afectação das populações não é bem igual ao indiano – as populações não são obrigadas a aceitar uma nacionalidade que não desejem, são livres de se mudar… – e parece ter regressado tudo ao ponto de partida. Pelo menos é essa a interpretação da oposição indiana do BJP**, um partido considerado tradicionalmente mais agressivo no que respeita às divergências sino-indianas do que o Partido do Congresso, que se encontra actualmente no poder.
Necessariamente mais cautelosa, a posição governamental debate-se entre as grandes necessidades de investimentos estruturais (sobretudo nas comunicações e telecomunicações) naquela remota região da Índia e a repercussão que essas decisões poderão ter do outro lado da fronteira. É que os eleitos locais, como é caso do deputado Kiren Rijiju (na fotografia acima), com outro colega, pertencentes ambos ao oposicionista BJP têm-se mostrado muito assertivos nas críticas que fazem ao esquecimento a que o poder central tem votado o estado e à aparente contemporização perante as manobras chinesas. Muito recentemente, uma delegação do BJP, incluindo Rijiju, esteve em Taiwan em conferências sobre problemas vários (os das fronteiras também...), num daqueles gestos diplomáticos que os governos oficiais não podem fazer, mas as oposições podem, e os primeiros agradecem que as segundas façam…
É evidente que Nova Deli não pode provocar directamente Pequim na sua corda mais sensível da política do reconhecimento de uma só China. Mas a resposta indiana aos responsáveis chineses deverá apelar oficialmente para a sua compreensão para o facto de não lhes ser possível controlar as iniciativas de um conjunto de jovens deputados voluntariosos da oposição… Essa impossibilidade, no mundo ultra codificado da diplomacia, é um indício óbvio de como o governo indiano tem visto com muito desagrado as movimentações discretas mas contínuas que o exército chinês tem assumido do seu lado da fronteira nos últimos tempos. Movimentações essas a que os responsáveis políticos locais de Arunachal Pradesh (incluindo Kiren Rijiju) têm chamado a atenção, porque se existe alguma certeza em todo este assunto nebuloso, é o lado da fronteira a que as populações locais preferem pertencer…
* Embora aqui (where else?...) já ele tivesse sido mencionado.
** Bharatiya Janata Party
Entre os 16 distritos do estado (com 1.100.000 habitantes e 84.000 Km²), um dos mais pequenos (40.000 habitantes e 2.100 Km²) chama-se Tawang e embora se localize geograficamente na encosta sul dos Himalaias, faz parte do Tibete histórico: um dos Dalai Lamas era dali originário e ali se localiza o maior mosteiro do budismo tibetano existente fora do próprio Tibete. Embora a China conteste a soberania indiana sobre quase todo o território do Arunachal Pradesh (veja-se mais abaixo o mapa com a reinvindicação chinesa assinalada a vermelho), a que dão o nome de Tibete do Sul (...), no caso de Tawang, a posição da China apresenta-se ainda mais assanhada. Desde a Guerra Sino-Indiana de 1962, que a questão do traçado das fronteiras entre os dois gigantes asiáticos tem fluído e refluído da atenção da imprensa mundial, sobretudo por ocasião dos encontros entre os altos responsáveis dos dois países, mas, de substancial, além de alguns incidentes militares em 1967 e em 1987, pouca coisa aconteceu para sanar os desentendimentos.
Contudo, em 2005, por ocasião da visita do Primeiro-Ministro chinês Wen Jiabao a Nova Deli, os indianos acreditaram que haviam conseguido algo de concreto com uma declaração conjunta de que as rectificações de fronteiras que viessem a ser acordadas não afectariam as populações locais, o que reduziria significativamente o âmbito do que seria objecto de discussão. Afinal, parece que o entendimento chinês sobre o conceito de afectação das populações não é bem igual ao indiano – as populações não são obrigadas a aceitar uma nacionalidade que não desejem, são livres de se mudar… – e parece ter regressado tudo ao ponto de partida. Pelo menos é essa a interpretação da oposição indiana do BJP**, um partido considerado tradicionalmente mais agressivo no que respeita às divergências sino-indianas do que o Partido do Congresso, que se encontra actualmente no poder.
Necessariamente mais cautelosa, a posição governamental debate-se entre as grandes necessidades de investimentos estruturais (sobretudo nas comunicações e telecomunicações) naquela remota região da Índia e a repercussão que essas decisões poderão ter do outro lado da fronteira. É que os eleitos locais, como é caso do deputado Kiren Rijiju (na fotografia acima), com outro colega, pertencentes ambos ao oposicionista BJP têm-se mostrado muito assertivos nas críticas que fazem ao esquecimento a que o poder central tem votado o estado e à aparente contemporização perante as manobras chinesas. Muito recentemente, uma delegação do BJP, incluindo Rijiju, esteve em Taiwan em conferências sobre problemas vários (os das fronteiras também...), num daqueles gestos diplomáticos que os governos oficiais não podem fazer, mas as oposições podem, e os primeiros agradecem que as segundas façam…
É evidente que Nova Deli não pode provocar directamente Pequim na sua corda mais sensível da política do reconhecimento de uma só China. Mas a resposta indiana aos responsáveis chineses deverá apelar oficialmente para a sua compreensão para o facto de não lhes ser possível controlar as iniciativas de um conjunto de jovens deputados voluntariosos da oposição… Essa impossibilidade, no mundo ultra codificado da diplomacia, é um indício óbvio de como o governo indiano tem visto com muito desagrado as movimentações discretas mas contínuas que o exército chinês tem assumido do seu lado da fronteira nos últimos tempos. Movimentações essas a que os responsáveis políticos locais de Arunachal Pradesh (incluindo Kiren Rijiju) têm chamado a atenção, porque se existe alguma certeza em todo este assunto nebuloso, é o lado da fronteira a que as populações locais preferem pertencer…
* Embora aqui (where else?...) já ele tivesse sido mencionado.
** Bharatiya Janata Party
Que dizer?!...
ResponderEliminar(Nada de confusões com outra frase parecida)
Efectivamente, em mais lado algum se pode ler e aprender sobre temas como este e outros.
Obrigado.
Cumprimentos.
Eu é que lhe agradeço pela leitura e pela regularidade dos comentários.
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