Hoje nem sequer é terça-feira, mas espero que quem me leia já se tenha habituado à completa aleatoriedade dos temas dos postes em geral e mesmo dos temas dentro dos próprios postes. Hoje é dia de evocação de um programa de informação dos princípios da SIC, que deixou saudades mas parece não ter deixado escola, e que se chamava Terça à Noite. O momento era politicamente propício, estava-se na fase do declínio final do cavaquismo, e o programa, de uma das novas televisões privadas, aparecia em completo contraste com o que tradicionalmente aparecia na RTP.
Mesmo não os conhecendo pessoalmente, não parece nada difícil perceber que as personalidades de António Barreto, José Pacheco Pereira ou Miguel Sousa Tavares, os três membros residentes do programa, não se devem adequar à complacência exigível a quem tenha um programa de informação de grande audiência numa televisão pública: vejam-se os casos actuais de Judite Sousa (Grande Entrevista) ou de Fátima Campos Ferreira (Prós & Contras). Portanto, aquele trio (destinado a singrar…) também se formou porque a SIC andava à procura de coisas diferentes das que a RTP fazia…
A própria composição daquele trio era peculiar. Aquele que se apresentava com a etiqueta política da esquerda (Barreto, próximo do PS), apresentava-se com um estilo argumentativo muito mais à direita do que Pacheco Pereira, oriundo do PSD (então no poder), que ainda vinha muito carregado do linguajar e da estrutura argumentativa das dialécticas de extrema-esquerda de onde viera. Ficou-me na memória um programa onde um dos convidados era Francisco Louçã, onde a argumentação de ambos só quase se distinguia pelo fundo, que não pela forma, quase idêntica.
Como no jogo de Monopólio em que um dos jogadores costuma fazer de banqueiro por acumulação, também naquele programa havia um comentador que ficava encarregado de fazer as perguntas: Miguel Sousa Tavares. Nunca percebi se fora essa a configuração inicial do programa, se era Miguel Sousa Tavares que não se aguentava, e acabava por mandar as suas opiniões. O que tornava alguns programas bastante incómodos quando ele embirrava com um dos convidados… – o formato tradicional do programa era composto pelos três comentadores fixos (um disfarçado de jornalista), mais dois convidados.
Claro que, além de Sousa Tavares, que é aquilo que coloquialmente designaremos por um destravado, nem Barreto nem Pacheco Pereira são conhecidos por embrulhar as suas apreciações naqueles eufemismos característicos do discurso político português em televisão, o que criou uma cultura de programa muito específica para onde os convidados se deviam preparar devidamente: capacete, colete pára-balas, cotoveleiras… embora esse confronto – e esse era o grande segredo do programa – se situasse normalmente no plano das ideias e raramente descesse ao nível pessoal.
Claro que, quando houve um programa sobre o turismo algarvio, onde se disseram horrores do mesmo, e o baronete local Cabrita Neto (do PSD*) saiu numa defesa desafiadora em jeito de bravata ao programa, sentiu-se um prazer perverso no convite de Sousa Tavares para um programa adicional sobre o mesmo tema com a presença expressa de Cabrita Neto, onde ele teve a oportunidade de repetir as acusações que proferira na imprensa (não repetiu), ouvir-se a ser citado criticando também o turismo algarvio, enfim foi deploravelmente sovado na sua coragem e coerência…
O programa serviu para catapultar qualquer dos três intervenientes para outros níveis de notoriedade mediática, onde ainda hoje qualquer deles se mantém. Para além das circunstâncias descritas acima, um programa como este só existiu porque a SIC ainda andava tacteando à procura dos processos de crescimento de audiência e em que segmentos desta deveria apostar. Terça à Noite foi um programa que deve ter conferido algum prestígio à SIC mas não audiências, publicidade, receitas, enfim aquelas coisas que verdadeiramente inquietavam os dias de Francisco Pinto Balsemão...
Deduzo que sejam programas que não se revejam com agrado, por estarem demasiado agarrados às notícias correntes da época em que foram transmitidos mas servem de últimas referências a um estilo informativo que se pretendia dirigido à sociedade em conjunto. Depois disso a televisão iria segmentar-se e acentuar em nós a percepção como a nossa sociedade é segmentada em termos de instrução e interesses. A SIC iria transmitir disparates de informação/ficção como A Cadeira do Poder para o povo e criar um canal de cabo exclusivo para assuntos sérios – a SIC Notícias.
* Na época, salvo erro, Governador Civil de Faro
Mesmo não os conhecendo pessoalmente, não parece nada difícil perceber que as personalidades de António Barreto, José Pacheco Pereira ou Miguel Sousa Tavares, os três membros residentes do programa, não se devem adequar à complacência exigível a quem tenha um programa de informação de grande audiência numa televisão pública: vejam-se os casos actuais de Judite Sousa (Grande Entrevista) ou de Fátima Campos Ferreira (Prós & Contras). Portanto, aquele trio (destinado a singrar…) também se formou porque a SIC andava à procura de coisas diferentes das que a RTP fazia…
A própria composição daquele trio era peculiar. Aquele que se apresentava com a etiqueta política da esquerda (Barreto, próximo do PS), apresentava-se com um estilo argumentativo muito mais à direita do que Pacheco Pereira, oriundo do PSD (então no poder), que ainda vinha muito carregado do linguajar e da estrutura argumentativa das dialécticas de extrema-esquerda de onde viera. Ficou-me na memória um programa onde um dos convidados era Francisco Louçã, onde a argumentação de ambos só quase se distinguia pelo fundo, que não pela forma, quase idêntica.
Como no jogo de Monopólio em que um dos jogadores costuma fazer de banqueiro por acumulação, também naquele programa havia um comentador que ficava encarregado de fazer as perguntas: Miguel Sousa Tavares. Nunca percebi se fora essa a configuração inicial do programa, se era Miguel Sousa Tavares que não se aguentava, e acabava por mandar as suas opiniões. O que tornava alguns programas bastante incómodos quando ele embirrava com um dos convidados… – o formato tradicional do programa era composto pelos três comentadores fixos (um disfarçado de jornalista), mais dois convidados.
Claro que, além de Sousa Tavares, que é aquilo que coloquialmente designaremos por um destravado, nem Barreto nem Pacheco Pereira são conhecidos por embrulhar as suas apreciações naqueles eufemismos característicos do discurso político português em televisão, o que criou uma cultura de programa muito específica para onde os convidados se deviam preparar devidamente: capacete, colete pára-balas, cotoveleiras… embora esse confronto – e esse era o grande segredo do programa – se situasse normalmente no plano das ideias e raramente descesse ao nível pessoal.
Claro que, quando houve um programa sobre o turismo algarvio, onde se disseram horrores do mesmo, e o baronete local Cabrita Neto (do PSD*) saiu numa defesa desafiadora em jeito de bravata ao programa, sentiu-se um prazer perverso no convite de Sousa Tavares para um programa adicional sobre o mesmo tema com a presença expressa de Cabrita Neto, onde ele teve a oportunidade de repetir as acusações que proferira na imprensa (não repetiu), ouvir-se a ser citado criticando também o turismo algarvio, enfim foi deploravelmente sovado na sua coragem e coerência…
O programa serviu para catapultar qualquer dos três intervenientes para outros níveis de notoriedade mediática, onde ainda hoje qualquer deles se mantém. Para além das circunstâncias descritas acima, um programa como este só existiu porque a SIC ainda andava tacteando à procura dos processos de crescimento de audiência e em que segmentos desta deveria apostar. Terça à Noite foi um programa que deve ter conferido algum prestígio à SIC mas não audiências, publicidade, receitas, enfim aquelas coisas que verdadeiramente inquietavam os dias de Francisco Pinto Balsemão...
Deduzo que sejam programas que não se revejam com agrado, por estarem demasiado agarrados às notícias correntes da época em que foram transmitidos mas servem de últimas referências a um estilo informativo que se pretendia dirigido à sociedade em conjunto. Depois disso a televisão iria segmentar-se e acentuar em nós a percepção como a nossa sociedade é segmentada em termos de instrução e interesses. A SIC iria transmitir disparates de informação/ficção como A Cadeira do Poder para o povo e criar um canal de cabo exclusivo para assuntos sérios – a SIC Notícias.
* Na época, salvo erro, Governador Civil de Faro
Relembro com saudades o Terça À noite, que deve ter durado aí um ano. Serviu-me para despertar nessa altura para um cojunto de matérias e para descobrir como se fazia jornalismo mais "agressivo". Como ainda era adolescente, nem sempre percebia muito do que os intervininentes diziam, mas o facto é que lá em casa não se perdia um.
ResponderEliminarPor axcaso recordo-me também desse debate sobre o Algarve, e julgo mesmo que o outro convidado era o na altura presidente da câmara de Portimão, outra das habituais "vítimas" de Sousa Tavares (que era mais o moderador, que por mais do que uma vez mandou calar algum interveniente, do que comentador).
Idiotas úteis. Sempre os houve...
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