12 fevereiro 2008

A GRANDE FOME DA UNIÃO SOVIÉTICA DO PRÍNCIPIO DA DÉCADA DE 30

Ainda hoje parece existir uma grande controvérsia a respeito da Grande Fome que grassou pela União Soviética durante os inícios da década de 30. A questão principal centra-se em saber qual será a quota-parte da responsabilidade pelas suas consequências que pertencente aos dirigentes soviéticos da época (sobretudo Estaline), na luta que o Partido Comunista travava então contra a classe social dos camponeses autónomos e também contra o nacionalismo ucraniano, e que quota-parte terá competido ao mero encadeamento de circunstâncias naturais, que conduziram ao encadeamento de más colheitas .

Como em muitos assuntos históricos envoltos em polémica, vale a pena, antes de mais, situarmo-nos e colocar os acontecimentos que se vão abordar na sua devida perspectiva. Quanto às consequências de maus anos de colheitas agrícolas, a falta de abertura da Rússia ao comércio externo, o baixo nível de desenvolvimento da sua rede de transportes, a falta de qualidade da sua administração, faziam com que, em geral, as consequências para a população russa em caso de más colheitas, fossem, na altura a que nos estamos a reportar, muito mais asiáticas do que europeias.
Excluídos aqueles que fossem consequência directa da acção do Homem (como aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial) os últimos grandes episódios de fome na Europa datavam da praga da batata de meados do Século XIX (a Irlanda, a Escócia, Portugal – com a Maria da Fonte – ou a Bélgica). Depois disso, foram montados sistemas de abastecimento do exterior em caso de emergência, que só não puderam intervir em casos excepcionais – como foi o caso da Primeira Guerra Mundial. Em contrapartida, más colheitas continuaram a ocasionar episódios de carência extrema* em províncias da China (1936) ou da Índia (1943).

Contudo, a União Soviética também não estava tão afastada das atenções das organizações de auxílio internacional quanto esses países asiáticos coloniais. Em 1921, depois de uma má colheita na Rússia, acumulada com a desorganização dos circuitos de distribuição alimentar provocada pela Guerra Civil (1917-22), algumas dessas organizações intervieram para minorar o impacto da situação. Uma dessas organizações era até dirigida por um reputado competente director de programas de auxílio alimentar, que viria a ser depois um reputado incompetente Presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover (1929-33).
Durante a Guerra-Fria a referida controvérsia em volta da fome de 1931-34 quase apenas tinha duas posições extremas, ideológicas. De um lado, praticamente não acontecera quase nada e o que acontecera era atribuível à sabotagem dos camponeses ricos (kulaks) que resistiam ao processo de colectivização da posse da terra; de outro, haviam morrido milhões e precisamente por causa desse mesma processo de colectivização, que havia retirado aos camponeses a vontade de produzir e que havia transformado a Rússia, de uma exportadora de cereais do passado czarista, numa nação incapaz de se autosustentar em termos alimentares.

Na verdade, o passado czarista não fora tão róseo quanto esse lado da propaganda pretendia fazer crer (houvera uma fome nas regiões da bacia do Volga em 1891-92, por exemplo), mas as prioridades do Estado Soviético (a industrialização) e as suas pretensões de autonomia em relação ao estrangeiro capitalista por parte do Estalinismo, levaram-no a subalternizar as consequências das más colheitas e das perturbações na produção provocadas pela colectivização que estavam a promover, por um lado, e, por outro, a rejeitar as ofertas de auxílio do exterior, ampliando ainda mais a dimensão da tragédia.
Uma das curiosidades de todo este episódio da Grande Fome, num país que negava a sua existência e que era tão dado a secretismos como a União Soviética, era como as suas consequências sérias podiam ser facilmente apercebidas na análise de um documento tão acessível quanto a estrutura da sua pirâmide etária (veja-se acima, a de 1989), onde se notam as reentrâncias provocadas pelas diminuições dos nascimentos (e pelo aumento da mortalidade infantil…) nos anos que correspondem (à esquerda) às Primeira (1914-18) e Segunda (1941-45) Guerras Mundiais e à Grande Fome dos anos da colectivização (1930-34).

As conclusões dos estudos menos ideológicos que vieram a ser publicados já depois do fim da Guerra-Fria são mais moderados e apontam para que tivesse havido responsabilidades partilhadas entre os próprios fenómenos meteorológicos naturais, mas conjugados com a falta de respostas institucionais. Beneficiando do acesso a nova documentação na origem, recolheram-se ainda indícios que, como viria a acontecer cada vez mais frequentemente no futuro à volta do poder soviético, os circuitos por onde passavam as informações que chegavam ao topo estavam a filtrar a gravidade do problema.
Mesmo tendo aqui procurado indiciar o ridículo das opiniões extremas (nem o poder soviético teria tanto poder para exterminar deliberadamente os campesinos, nem os supostos kulaks teriam tanto poder para sabotar significativamente a produção agrícola soviética…), suponho que haverá quem continue a gostar de qualquer das duas ficções do passado... Mas a minha última responsabilização vai para Estaline: do que se sabe dele, não seria na época em que o Capitalismo estava a sofrer em pleno as consequências da sua Crise de 1929, que o Socialismo iria facilitar, pedindo ajuda e mostrando por sua vez as suas fraquezas…

* Com milhões de mortos

4 comentários:

  1. Mais uma vez uma análise bastante completa, na linha das que a antecederam.
    Alguma notas avulsas e vulgares em jeito de comentário:
    -Nenhuma revolução resiste se não consegue “mudar” os homens.Os que a fazem e os outros.
    -Houve (há) fomes agudas e crónicas. A da URSS foi apenas mais uma.
    -Os Kulaks/Terra-tenientes/
    Coroneis/Latifundiários sempre opuseram grande resistência às reformas agrárias, até porque gostam de controlar a fome dos outros -a modos que, um “holodomor” em câmara lenta, que dura gerações.
    O Figurão do Estaline, como todos os burocratas, uns piores que outros, desempenhou mal, muito mal, o seu papel.

    ResponderEliminar
  2. A razão porque eu apaguei o comentário proposto aqui por mim próprio foi que ele se destinava a outro post onde o proporei a seguir. Obrigado.

    ResponderEliminar
  3. "Dear Webmaster,
    I was reading http://www.herdeirodeaecio.blogspot.com/2008/02/grande-fome-da-unio-sovitica-do.html the link to http://www.usm.maine.edu/eco/joe/works/Soviet.html wasn't working but I have found it at http://www.biostim.com.au/pdf/SOVIET-AGRICULTURE.pdf if you want to update it for your readers.
    Kind regards
    Mary Shawollien"

    ResponderEliminar