20 agosto 2021

OS FANTASMAS DE TIMOR

20 de Agosto de 1946. Ao contrário de Portugal e do resto do Império, Timor tinha tido uma história de envolvimento directo na Segunda Guerra Mundial, o que se tornava uma excrescência incómoda na narrativa oficial da sagacidade da conduta do presidente do Conselho, António Salazar, que preservara a neutralidade do país ao longo do conflito. As notícias provindas de Timor ou a ele respeitantes tinham que se adaptar a essas circunstâncias. A preparação das cerimónias do 1º aniversário da libertação de Timor (que seria a 29 de Setembro) eram noticiadas com o destaque festivo que a imagem acima documenta. E outro problema incómodo era a apreciação da conduta dos funcionários do aparelho administrativo durante os quase quatro anos que haviam durado as ocupações (aliada e japonesa), que é abordado pela notícia da sanção atribuída a um desses funcionários que fugira para a Austrália. O assunto revestia-se de uma enorme delicadeza porque, na prática, os visados haviam ficado isolados da metrópole, impossibilitados até de comunicar com ela, não se fale sequer dos meios que pediam e que Portugal nunca esteve em condições de enviar. Por isso, as sanções disciplinares que se propuseram depois do fim da guerra costumavam ser benignas - a proposta, no caso deste réu cujo nome nunca é sequer mencionado ao longo da notícia, era de «10 dias de suspensão de exercício e vencimentos». O que torna o caso notícia é que o ministro das Colónias Marcelo Caetano quis fazer da sanção ao abandono do território por parte daquele funcionário um exemplo e agravou a pena de 10 dias para 18 meses. No despacho, Marcelo é enfático na crítica que o funcionário, ao abandonar as populações que estavam à sua responsabilidade, «não procedeu como um chefe». É nestas ocasiões em que se evoca o que se pede de responsabilização e exemplo às chefias, que nos lembramos dos episódios recentes dos motoristas dos ministros Cabrita e Matos Fernandes.

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