16 agosto 2021

O ENSAIO DO FAMOSO «STRIPPER», PROMETIDO - E NUNCA CUMPRIDO - NO CASO DE NÃO SE ENCONTRAR ARMAS DE DESTRUIÇÃO MACIÇA NO IRAQUE

Comecei por vê-lo elogiado numa das redes sociais («artigo relevante», «não lerei outro de igual qualidade»). Depois, como estamos em Agosto e está tudo de férias, e o «Ensaio» acima de Vasco Rato saiu com a grande oportunidade da véspera da inesperada queda de Cabul, hoje já o temos, ao «Ensaio», consagrado nos canais da informação formal. O jornalista de serviço ao Expresso, por exemplo, no seu exercício ingrato de «encher pneus», classifica-o de «ensaio instrutivo de Vasco Rato» com o respectivo link. Vamos lá então prestar atenção à «instrução» «relevante» dada por Vasco Rato, de que não se publicará outra de «igual qualidade».

Algo que já se sabia antes do ensaio, era que a permanência dos Estados Unidos no Afeganistão estava em via de completar os 20 anos (2001-2021), batendo os recordes de missões semelhantes em que os Estados Unidos se haviam visto envolvidos. Outro facto relevante e que gera até um exercício interessante para descascar a instrutividade do ensaio de Vasco Rato, é o desdobramento desses 20 anos por administrações: simplificadamente teremos 7 anos de administração W Bush (republicana 2001-2009); seguiram-se 8 anos de administração Obama (democrática 2009-2017); depois 4 anos de administração Trump (republicana, 2017-2021) e finalmente 1 ano (incompleto) de administração Biden (democrática 2021-2021). Eu tenho que dizer que uma das primeiras impressões que retirei da leitura do texto foi o seu desequilíbrio. Todo o período original da invasão e ocupação do Afeganistão (e que corresponde ao período W. Bush de 7 anos - ou seja ⅓ do total) é tratada minimamente, o que não faz qualquer sentido porque foi sob essa administração que se decidiu não só proceder à invasão do Afeganistão (invocando a retaliação contra os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001) como foi então que se «trouxe a NATO atrás» de si para auxiliar os norte-americanos nessa missão, naquele que era então um entendimento muito elástico das funções para as quais a organização fora inicialmente concebida (contra a ameaça soviética). É aliás por causa dessa elasticidade NATO que Portugal se vê envolvido directamente na questão afegã. Mas, sobre tudo isso, o desenvolvimento do ensaio é parco (no mínimo), apesar de eu considerar Vasco Rato um entendido sobre a actuação e o legado da actuação internacional da administração W. Bush (disponibilizo aqui um texto seu de Setembro de 2008 a respeito da herança deixada por aquela administração). Onde Vasco Rato se aplica, desenvolto, é sobre a conduta e as opções estratégicas assumidas pela administração Obama, assumida depois de 7 anos de ocupação. Ora 7 anos é um intervalo de tempo significativo, superior, por exemplo, ao tempo total de ocupação que os Estados Unidos despenderam tanto na Alemanha, quanto no Japão, imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial. É uma estrutura argumentativa baseada no «esqueçam lá o como isto tudo começou...» Outra construção gramatical interessante de Vasco Rato foi a que assinalei acima, sublinhando-a: «As administrações Bush e Obama enfrentaram um colossal dilema» Uma redacção mais rigorosa teria sido: a administração Bush criou um colossal dilema, a administração Obama confrontou-se com ele.

Um exercício engraçado a que me dediquei para melhor transmitir a ideia da parcialidade que acabei de descrever acima foi sublinhar a cores diferentes o nome de cada presidente. O resultado é que, ao longo de um ensaio que é essencialmente o balanço de um fracasso: «...a retirada do Afeganistão encerra um ciclo de política externa marcado pela convicção de que os Estados Unidos poderiam construir um mundo melhor e mais pacífico. Este projecto imperial ruiu porque, em larga medida, a democracia americana não suporta os sacrifícios inerentes às ocupações militares prolongadas, como sucedeu no Japão e na Alemanha depois de 1945.», W. Bush é mencionado 4 vezes, Obama 9 vezes, Trump 1 vez e Biden 2 vezes. Neste aspecto da contagem, concordo com o jornalista do Expresso: é instrutivo, mas para perceber quem Vasco Rato responsabiliza pelo desfecho. Não que eu discorde substancialmente da maioria das opiniões expressas, quero ser é mais abrangente na distribuição das responsabilidades, recolocando muitas da que ele transferiu para Obama para os criadores do pecado original, os da administração Bush. Por fim, não considero muito original a conclusão acima de Vasco Rato, que é afinal uma reciclagem daquilo que li pela primeira vez concluído por Niall Ferguson em Colossus no longínquo ano de 2004. Ano em que ainda estava muito presente uma promessa insensata que Vasco Rato fizera publicamente por ocasião da eclosão da guerra do Iraque... (veja-se mais abaixo). Vasco Rato é muito mais do que um stripper, mas o episódio que lhe está associado define-lhe um ancoramento político do qual não se pode dissociar. Que pode ir de aceitar previa e positivamente a derrota de Trump em 2016, até colocar-se ao seu lado na contestação aos resultados eleitorais em 2020. Como acontecia com o outro Vasco (Pulido Valente), o problema deste Vasco não é só do Vasco, nem sobretudo do Vasco: é de todo um resto que o rodeia.

2 comentários:

  1. Faltou à palavra mas poupou-nos a um espetáculo degradante e triste.

    ResponderEliminar
  2. Convém relembrar que o cómico Eduardo Madeira fez uma promessa semelhante , embora no caso da selecção de Portugal ganhar o Europeu de 2016 e depois cumpriu a promessa.

    Isto de Vasco Rato fazer má figura quanto à respeitabilidade da sua palavra quando em comparação com alguém que é suposto não se levar a sério como Eduardo Madeira, tem muito que se lhe diga...

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.