01 agosto 2021

A (CAPITULAÇÃO DA) FORTALEZA DE SÃO JOÃO BAPTISTA DE AJUDÁ

1 de Agosto de 1961. Fora apenas com um pré-aviso de três dias (29 de Julho) explicado pela nota acima do S.N.I. (secretariado nacional de informação), que os portugueses ficaram a saber que o país estava envolvido numa disputa diplomática com o Daomé (hoje Benim), e isso por causa de uma possessão portuguesa de que quase todos nunca tinham ouvido falar. E há precisamente 60 anos, a disputa terminava com o incêndio da fortaleza, numa história que se compreenderá melhor se se conhecer o pomo da discórdia, descrito abaixo num texto que já aqui havia publicado em 2008.

«Publicada naquele tempo em que ainda era apropriado referir o dia 10 de Junho como o Dia da Raça, o volume nº1 da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira dedicava toda uma detalhada meia página à Fortaleza de São João Baptista de Ajudá. Mas da sua leitura resultava a desilusão de que a entrada continha apenas uma história algo resumida (desde 1680) daquela que era então a mais pequena possessão portuguesa e nenhuma informação adicional sobre qual seria a sua situação naquela época (anos 30).
A história da possessão estava resumida porque estivera associada ao tráfego de escravos entre o Reino do Daomé e o Brasil. Fora em terrenos doados por um dos reis que se erigira e mantivera a Fortaleza com as receitas dos impostos dos escravos que eram dali transportados e depois transaccionados em São Salvador da Baía. Os Reis do Daomé eram uma das partes que mais lucrava com aquele comércio e a Fortaleza (acima), apesar do seu nome, era mais um enorme entreposto comercial do que um estabelecimento militar.
A situação da Fortaleza dividia-se entre uma natural dependência geográfica da colónia portuguesa de São Tomé (acima - Ajudá (Ouidah) é uma cidade litoral do Benim) e a natural dependência económica do Brasil, que era o seu grande mercado de exportação. Durante o Século XIX, depois da independência brasileira (1822), houve um esboço de disputa entre os dois países, em que vieram a prevalecer os interesses de uma certa burguesia mestiça lusófona local de origem brasileira (cujo exemplo maior é a família de Souza).
A importância do tráfego de escravos foi decrescendo à medida que se aproximava o final do Século XIX. O Brasil aboliu a escravatura em 1888. Foi a França que veio a ocupar militarmente toda aquela região, tendo-a transformado numa colónia em 1894 e foi Portugal que veio a ficar com aquele fóssil colonial. A fortaleza foi-se esvaziando e os de Souza misturaram-se com as elites ocidentalizadas da colónia francesa do Daomé onde ainda hoje pontificam. A fortaleza tinha 5 habitantes em 1921 e apenas 2 em 1961…
Era essa a razão porque a entrada da Enciclopédia não possuía nenhuma informação adicional sobre a realidade da possessão: vegetava num longo estertor. Mas, invocando o famoso receio de criar um precedente na política colonial portuguesa, nem mesmo assim imperou ali o bom senso do lado português, e a cedência da fortaleza ao novo Daomé independente (1 de Agosto de 1961) foi mais um episódio (desnecessariamente) conflituoso em que o Intendente português (50% da população) acabou por incendiar as instalações antes de as abandonar…»

7 comentários:

  1. A "metade da população" que esteve envolvida no incêndio terá obedecido a ordens do ditador-pirómano, mas não conseguiu "queimar" o escudo de Portugal que, curiosamente, serve de frontispício à entrada do, agora, Museu de História de Ouidah do Benim

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  2. Bom texto (como sempre, este blog está de parabéns), mas, sinto-me na obrigação de corrijir uma imprecisão: a Independência brasileira, oficial e formalmente, deu-se em 1822, e não em 1820.

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  3. Obrigado, JRD e Danilo. Obviamente que tem razão quanto à data da independência brasileira. Já está corrigida.

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  4. JRD, conforme se percebe na ligação que fiz em relação aos acontecimentos de Agosto de 1961, hoje a responsabilidade sobre as instruções para incendiar as instalações são de "pai incógnito".

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  5. O bom senso dos portugueses, no dizer subentendido do preclaro autor do blogue seria, à primeira ameaça, negociar a entrega, abandonar, e sem qualquer respeito por si próprios entregar os pedaços de História que foram construindo. Já se percebe..., com um português basta falar mais forte, que ele, por uma questão de bom senso, cede a passagem e retira-se...
    Bom senso ou covardia?

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  6. Agora reparo no nome "Herdeiro de Aécio", um péssimo exemplo de quem não teve o bom senso de entregar o império (romano) aos bárbaros germanos logo que estes apresentaram as primeiras exigências. Preferindo lutar até ao fim...bom, não era português, faltava-lhe o bom senso.

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  7. Está de parabéns, Luís de Angola!

    Consegue escrever logo dois comentários daqueles que cansam apenas por se lerem, só de pensar o trabalho que daria explicar-lhe as asneiras descomunais que escreveu dessa maneira tão assertiva.

    Sabe que mais? Vá estudar História! - é que, ao contrário do que julga, o Aécio até se aliou com os bárbaros germanos para derrotar os hunos...

    Quanto às primeiras exigências... haviam sido apreesentadas 190 anos antes - um pouco cedo demais para culpar o homem, não acha?

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