18 março 2020

O NOVO «GURU» DA CORONAHISTERIA (1)

Apesar dos títulos, o objecto deste poste não se refere à pandemia, antes à sociologia que ela veio a revelar. Estes são dois artigos de opinião da mesma pessoa, publicados com um intervalo de cerca de duas semanas. No principio deste mês, o autor, não negando o ritmo acelerado da disseminação do vírus, negava importância ao fenómeno: «O coronavírus já está em Portugal (...). Isso é preocupante? Não particularmente (...)» A verdade é que ninguém lhe passou cartão e a sua opinião foi chutada para uma esquecidíssima página da Ovar News. Uma semana depois Jorge Buescu voltou a ter uma segunda oportunidade e desta vez já não a desperdiçou: «Estes números são absolutamente assustadores. (...) Não é exagero dizer que a Europa está a ser engolida por um tsunamiEsta era a opinião que interessava ao Observador porque qualquer bom jornal publica aquilo que acha que os seus leitores querem ler. E, nesta hora crítica, o que os leitores desejam é assustar-se a valer com as consequências da pandemia. E um bom jornal dá-lhes isso. Ninguém liga nenhuma a que, na edição seguinte, tenha aparecido quem viesse contestar o susto. E é assim que temos um matemático, que até começara nisto por «uma questão de serviço cívico», a ver-se guindado, pelas necessidades informativas, ao estatuto de, recuperando a sua própria expressão inicial, «guru da coronahisteria», assinando hoje uma página naquele mesmo Observador por onde perpassa o dramático, o trágico e o esperançoso. É engraçado como esta crise veio mostrar que em Portugal parece existirem pessoas tecnicamente qualificadas para lidar com estas situações - e que até têm sido frequentemente solicitadas para aparecerem na comunicação social. Mas, pelos vistos, o que elas têm para dizer não é bem aquilo que ajuda os órgãos de comunicação social a chamarem a atenção sobre si.
É óbvio o propósito dos jornais no exemplo acima, onde, das declarações de «seis especialistas», a jornalista do Observador vai buscar aquela que lhe pareceu mais dramática e assustadora - «somos galhos secos à espera que o fogo nos queime» - para título do artigo. Os jornalistas não precisam de especialistas bisonhos, que, por perceberem do assunto, se mostrem comedidos naquilo que dizem. O que eles precisam é de protagonistas que, percebendo ou não do assunto, se prestem à coreografia da história que se quer contar para captar a atenção do auditório. Que, neste caso, é - tem de ser - trágica. É por isso que pessoas como Jorge Buescu (que - objectivamente - não percebe a ponta de um corno sobre epidemias) despontam para a popularidade. E a ânsia de protagonismo das pessoas faz o resto, porque há imensa gente a dispor-se a fazer figuras muito ridículas pelos seus quinze minutos de fama.

3 comentários:

  1. Encontrei teu síto ontem e estou gostando muito. Mas por que escolheste o Aécio pra ser homenageado?

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  2. O Aécio da referência é o romano Flávio Aécio (396-454), como já aqui expliquei há muitos anos.

    Só no Brasil é que pressupõem que o Aécio seja o Aécio Neves. E a 99% dos brasileiros nunca lhes ocorreu perguntar a que personagens rebuscadas da História a família política mineira dos Neves se foi inspirar para baptizar os seus membros - Tancredo, Aécio, etc.

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