Depois do referendo britânico tem-se assistido a exemplos dos mais despudorados tentando renegar o que foi a decisão dos eleitores. Há quem se manifeste contestando os resultados. Há quem queira organizar um novo referendo. Multiplicam-se pelas redes sociais os imbecis a relembrar que Hitler e os nazis também venceram eleições (aqui não ponho links, não vá desconsiderar por omissão algum imbecil...). É a futebolização da política em todo o seu esplendor: eleições e referendos bons, só mesmo os que se ganham. Por onde pára a humildade democrática de os saber perder?... Mas, no meio dos dislates, há os meus favoritos, as análises que parecem decorrer de um raciocínio aprofundado, que, não nos dizendo o que pensar, apenas nos sugerem como nos devemos consolar, como é o caso do quadro acima: deduz-se dali que as classes etárias que mais pugnaram pela saída do Reino Unido da União Europeia são precisamente aquelas que menos tempo viverão as consequências da sua decisão. Uma injustiça! Os mais jovens vêm-se na contingência de viver as consequências do que as gerações precedentes lhes impuseram.
É uma ideia que, da forma como está apresentada, até parece formalmente correcta. Tão correcta que apenas se estranha que só agora a vejamos apresentada, já que a lógica que lhe está subjacente é verdadeira, não apenas para o referendo de anteontem, como também para todas as eleições: são sempre as gerações mais novas as que, tendo uma expectativa de vida superior e que por isso se espera que vivam mais tempo, sofrerão por mais tempo as consequências de todas as políticas que são decididas, a contar do momento da decisão. Mas, esse facto (indesmentível), não tem parecido razão para que se levantem muitas vozes a defender, por exemplo, a atribuição de uma ponderação reforçada de votos aos mais jovens - quiçá estender mesmo o direito de voto até às crianças que são afinal as mais afectadas de todas (não consta do quadro acima, mas diga-se que fazendo as mesmas contas e adoptando como bom o raciocínio supra, as crianças britânicas dos 0-18 anos teriam que viver 81 anos em média com esta decisão). Ao contrário disso, o que me parece que costuma acontecer é existir um reforço da influência - considerada tradicionalmente mais conservadora - dos mais velhos: é o que acontece por exemplo nos actos eleitorais nos clubes de futebol, onde os sócios mais antigos dispõem de mais votos; também se pode consubstanciar em câmaras representativas reservadas aos mais idosos - os senadores. Não sei se quem elaborou o mapa acima se chegou a aperceber até onde o poderia levar a aplicação daquele seu raciocínio de que os votos dos mais novos deveriam ser mais valorizados porque mais afectados. Porque um senado em formato infantil (abaixo) parece-me uma daquelas propostas verdadeiramente inovadoras nos domínios da ciência política... E tudo isto no quadro de uma aceitação indigesta dos resultados de um referendo...
Mais a sério e para o que interessa, no referendo de anteontem a qualidade do voto foi precisamente a mesma para todas as classes etárias. O que ficou decidido, foi decidido pelo princípio menos controverso de todos, o de um homem = um voto. O que é completamente falacioso naquele quadro inicial é profetizar que as gerações mais novas estarão condenadas a viver todos aqueles anos com as consequências da decisão que anteontem se tomou (por culpa das mais velhas). Recorde-se que em 1975, outras gerações de britânicos haviam votado num sentido diferente ao de anteontem. Ontem, entre os que tinham mais de 60, houve certamente quem tivesse mudado o sentido de voto. Como também num próximo referendo daqui por alguns anos as novas gerações poderão rectificar o sentido global do voto actual e tornar a pedir a readmissão à União Europeia. É isso um dos inigualáveis benefícios que a Democracia nos propicia, aos cidadãos: cada eleitor pode mudar de opinião e com isso, o seu sentido de voto. Nenhuma decisão é irrevogável (no verdadeiro sentido do termo...). Têm é que se lhes perguntar... o que em Portugal, e a respeito da União Europeia, nunca se fez, acrescente-se.
Não me revejo no apelidar de "imbecis" a quem lembra o exemplo da ascensão de Hitler ao poder pela via democrática. Na verdade o paralelo até me parece correcto mas para nos recordar que foram as condições de vida na Europa, mais precisamente na Alemanha, após a 1ª guerra Mundial que levaram os alemães a eleger quem lhes prometia emprego, prosperidade e segurança. Além disso a permanência de Hitler no poder não foi democrática.
ResponderEliminarQuanto ao resto do post, estou totalmente de acordo com ele.
Absolutamente de acordo com a generalidade da sua reflexão.
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