Há notícias que, pelo teor, se antecipa logo qual vai ser o desenvolvimento. O espertalhão que comprou as acções da SLN por metade do preço de mercado e que diz não se ter apercebido de nada de suspeito na pechincha, vai carregar consigo a cruz de não se conseguir mesmo desgrudar do mais ínfimo episódio sujo a que o possam associar.
Tanta é a força em querer conspurcar um Cavaco Silva que se fez passar por sonso, que a equidade noticiosa chega a sofrer, pois no caso em questão, constata-se que não foi apenas ele a condecorar o director do Museu ora preso, o seu antecessor Jorge Sampaio (também ele um insigne distribuidor de condecorações por atacado), já o fizera.
Até hoje. Foi há onze anos. Entretanto a Constituição Europeia foi para o caixote do lixo embora o núcleo mais importante das disposições que continha viesse a ser reaproveitado e reaprovado através do Tratado de Lisboa em Dezembro de 2007 - foi aquela famosa ocasião em que apareceu o vídeo com um José Sócrates esfusiante a fintar o cumprimento ao seu próprio ministro dos Negócios Estrangeiros (Luís Amado).
Mas dessa outra vez já não era para haver referendos. Pelo menos em países como a França (que é França!). Houve só um na Irlanda, que não deu o que era suposto em 2008 e que por isso teve que ser repetido em 2009. Por cá, Sócrates fez (mais) uma figura tristíssima, a fingir que hesitava, quando a decisão - de não promover qualquer referendo - era mais do que evidente. Num crescendo de arrogância, nestes últimos anos o directório europeu já não se dispunha a padecer de ataques de azia por causa de resultados inoportunos de referendos realizados em pequenos países. Por isso é que agora tem grandes ataques de azia quando os resultados inoportunos aparecem nos grandes países...
A primeira parte deste poste (a que está escrita em itálico) é a tradução do inglês do corpo principal da entrada da Wikipedia referente ao nosso projecto de referendo sobre a Constituição Europeia em 2005. Há uma página em francês que diz substancialmente o mesmo. Mas, significativamente, não existe uma página em português sobre o assunto. (Quem o souber fazer, sinta-se à vontade para criar essa página com o material que aqui disponibilizei) Sobre este aspecto em concreto José Sócrates merece ser tão maltratado quanto ao servilismo demonstrado quanto o antecessor Barroso e o sucessor Passos Coelho. Convém recordar, para além de outros predicados actualmente muito mais mediáticos, que Sócrates, o animal feroz doméstico, foi umpuppy na Europa.
O Brexit venceu, mas 16 milhões de britânicos preferiam continuar na UE. Dá que pensar.
Esta frase é o parágrafo inicial de um comentário aos resultados do referendo britânico publicado aí pela rede. Eu não sei o que levará cada indivíduo a pensar ou a, pelo contrário, deixar o seu raciocínio em descanso. O que posso constatar são os factos e, numa eleição cerrada num país da dimensão do Reino Unido, perdem-se eleições, mesmo recebendo muitos milhões de votos. É natural que assim aconteça. Em França, que tem uma dimensão populacional parecida com a do Reino Unido (66 e 64 milhões de habitantes, respectivamente), os candidatos presidenciais recebem um volume de votos semelhante a esse, mesmo - ou sobretudo... - os que são derrotados: Nicolas Sarkozy venceu as eleições de 2007 recebendo 19 milhões de votos e perdeu as de 2012 por ter recebido apenas 17 milhões. Não sei se os resultados dessas duas eleições também tinham dado que pensar a quem ficou acima a pensar nos resultados dos perdedores do referendo britânico. Pode não ter pensado. Só agora lhe deu para isso. Seja como for, o meu desejo é que os seus pensamentos valorizassem de forma equitativa os 17 milhões de britânicos que preferiram sair da UE. Dá ligeiramente mais que pensar. E, por tanto pensar, pomo-nos a pensar que tem vezes que a Democracia é lixada mas que isso não terá a ver com os muitos milhões de votos que os derrotados conseguiram alcançar, tem a ver com a aceitação íntima de que a nossa opinião foi derrotada pela vontade da maioria dos nossos concidadãos.
Ainda a propósito de ir repegar cenas significativas de filmes famosos para as associar ao que tem vindo a acontecer em consequência do referendo britânico, socorramo-nos desta cena de Philadelphia, onde Joe Miller, o advogado que defende os direitos daquele que está a ser discriminado por ter SIDA, é vivamente cumprimentado por um transeunte que encontra numa farmácia. A conversa rapidamente degenera, pois assenta num equívoco: ao contrário das deduções do interlocutor que o felicita e do próprio, Miller não é homossexual, aliás previamente no filme havíamo-lo ouvido dizer: Some of these people (os homossexuais) make me sick. But a law's been broken here. You do remember the law, don't you?* É interessante ver o ar ultrajado de quem considera ter formado a opinião por uma questão de princípio (Miller) quando diante de alguém que lhe parece que a tomou apenas por uma questão utilitária e/ou de clã. É uma atitude que, no caso do referendo britânico, se nota ser até transversal à própria decisão tomada: pode ser só impressão minha, mas ficou-me a impressão inicial que, em geral, quem votou pela continuação na União considerava que a sua decisão fora muito mais amadurecida do que quem votou pela saída. Claro que toda essa pose foi pelo cano abaixo com os expedientes engendrados depois para tentar anular o resultado da votação, sem princípio algum. Entre os que votaram pela saída também haverá de tudo. Como uma imperatriz da Europa, uma czarina, Angela Merkel veio pôr agora um ponto de ordem à mesa: a saída é para valer, mas quando os britânicos estiverem preparados. Num outro registo mais prosaico mas igualmente pragmático, não sei se repararam que, no meio de toda a sua indignação, Joe Miller saiu da farmácia sem ter pago as fraldas...
* Parte dessa gente enoja-me. Mas a Lei foi desrespeitada. Sabes o que é essa coisa da Lei, não sabes?
O que eu considero mais significativo no desenvolvimento da notícia é o que se pode ler no seu último parágrafo:
O secretário de Estado declarou (...) ao Diário de Notícias que não pretendia prescindir desta verba que lhe tinha sido concedida pelo primeiro-ministro, António Costa.
Pelos vistos, de então para cá, alguém o terá induzido a mudar de opinião. É sempre salutar recordar que os padrões de moralidade de um elenco governativo não dependem apenas das consciências individuais de cada um dos membros que o compõem. Por vezes demais elas não registam qualquer ressonância do que de fora se pensa sobre os gestos censuráveis dos visados. Daí a necessidade de que exista uma certa ajuda. Em contraste, acrescente-se que o que dependerá sempre da consciência individual de cada governante é a sua presença no governo - pode parecer um truísmo, mas convém lembrar neste caso que, se considerar que a injustiça é demasiada, o senhor secretário de Estado do Ambiente vai sempre a tempo de se demitir...
As cenas que tiveram lugar hoje no Parlamento Europeu fizeram-me lembrar outras análogas de O Padrinho III. Reproduzindo o mesmo género de agressividade fria disfarçada de mesuras que se pode apreciar na cena acima, Joey Zasa acaba a cena queixando-se de ser tratado pelos restantes membros da sala sem qualquer respeito, e abandona-a num subentendido de uma vingança mais do que previsível. O discurso de resposta de Farage a Juncker hoje em Bruxelas tem momentos em que o orador é mais grosseiro do que o mafioso. Mas conforta ver um parlamentar europeu a discursar bombardeado pelos apartes hostis de colegas das outras bancadas, sob o escrutínio público, como se se tratasse de um parlamento a sério, com políticos irritados. É mais humano e verosímil que a Europa das cimeiras que terminavam invariavelmente (depois de uma noite de negociações em que ninguém nos informava dos detalhes do que fora negociado), com as estafadas vitórias da diplomacia portuguesa... que de vitória em vitória nos conduziram à situação actual.
Como do resultado das eleições espanholas há quem conclua que o impasse político continua na mesma, o melhor a fazer, em vez de esperar outros seis meses, será ir repetindo esta mesma eleição até que o eleitorado produza um resultado mais conforme a estabilidade política. Aguardam-se as petições... Por outro lado, falando de outros assuntos que interessam mais a outras partes e de acordo com algumas opiniões escutadas por aí, a cor azul-eléctrica das camisolas dos jogadores islandeses pôde ter ofuscado o guarda-redes inglês, o que invalidaria os dois golos alcançados pela equipa islandesa no seu triunfo sobre a Inglaterra por 2-1. O único golo válido passaria a ser o marcado de penalti por Wayne Rooney e, nesse caso, a Inglaterra passaria a ter sido apurada com uma vitória por 1-0 sobre a Islândia. Uma outra linha de actuação para anular o que está feito é a de submeter uma petição à UEFA para que se realize um segundo jogo. Como se observa acima, há um potencial de 4 milhões de assinaturas a que a UEFA terá que ser sensível uma vez que o número equivale a 12 vezes toda a população da Islândia...
A sério: num outro texto mais abaixo empreguei a expressãofutebolização da política para descrever o que está a acontecer, mas o delírio parece ir tão alto que a melhor forma de realçar o absurdo dos terrenos pisados pela disputa política passou a ser... politizando o futebol, porque um jogo de futebol parece hoje ter regras mais sólidas do que um qualquer referendo.
Depois do novo impasse das eleições de ontem, quem sabe se o desejo mais razoável para o futuro próximo de Espanha seja o de desejar que Mariano Rajoy consiga ter o engenho político suficiente para conseguir montar, também ele, a sua própria geringonça? Mais do que a razoabilidade da solução, face à escassez de alternativas viáveis, considerada a manutenção do impasse parlamentar de ontem, aquilo que me leva a gostar ainda mais dela e caso aconteça, é a antecipação do gozo que me dará assistir às cambalhotas da lógica política, mais do que previsíveis, de todos aqueles que se verão obrigados a justificar porque é que o que consideraram ser um expediente pervertido de um lado da fronteira, é afinal uma solução política sólida do outro.
Para quem não saiba, não é por não ser frequente e nem por envolver potências muito díspares que o próximo desafio de futebol entre a Inglaterra e a Islândia não arrasta atrás de si o peso de conflitos históricos importantes e recentes (1958-1976), porém esquecidos: neste caso, o das três Guerras do Bacalhau.
Ontem conversava com alguém que se considerava detentor de uma certa cultura cinematográfica mas, reconhecia, algo limitada porque enfeudada ao que é produzido nos Estados Unidos. Não será só. Tem vezes em que até mesmo aquilo que é produzido pelos próprios Estados Unidos é condicionado pelas circunstâncias próprias do país. Em 1970 o filme MASH foi apresentado a concurso no festival de Cannes e ganhou. MASH é uma comédia negra que decorre num hospital de campanha norte-americano durante a Guerra da Coreia (1950-53). Por imposição dos produtores, a identificação da acção durante a Guerra da Coreia aparece logo no início do filme, não se prestasse o filme a ser confundido com uma paródia à Guerra do Vietname que estava então ainda em curso - que era, de facto, aquilo que o filme pretendia ser. Em 1970, a intervenção no Vietname ainda se apresentava aos Estados Unidos como um problema por resolver, apesar da promessa de campanha de Richard Nixon. Apesar dos indiscutíveis méritos do filme, que o haviam levado a ser um dos cinco finalistas nomeados para os Óscares desse ano, ele veio a perder na recta final paraPatton, por acaso uma biografia de cunho elogioso ao general da Segunda Guerra Mundial. Mas entre os executivos da 20th Century Fox reconhecia-se que havia na história de MASH todo um potencial cómico passível de ser explorado, não fossem as circunstâncias adversas do prolongamento daquilo que estava a ser parodiado.
Dois anos e meio depois, essas circunstâncias haviam finalmente mudado. Havia-se conseguido criar na opinião pública norte-americana a impressão que a Guerra do Vietname terminara. Pelo menos, na parte que aos Estados Unidos dizia respeito isso era verdade. Assinaram-se os Acordos de Paz de Paris, o sucesso havia sido (claro!) de Henry Kissinger. Até se lhe atribuiu o Prémio Nobel da Paz em 1973. A ele e ao outro, o norte-vietnamita, que por acaso o recusou, por razões que o futuro esclareceria. Mas para o que importa nesta história, a ideia da exploração dos enredos das aventuras e desventuras dos membros de um hospital de campanha em tempo de guerra, a oportunidade parecia agora aberta para repegar a ideia com mais força num seriado televisivo homónimo que veio a ser transmitido durante 11 anos (entre 1972 a 1983). Num crescendo de popularidade, ajudado pelo facto do conflito vietnamita se tornar progressivamente cada vez mais uma memória, o último episódio da série, transmitido em Fevereiro de 1983, registou uma audiência de mais de 100 milhões de espectadores - que permaneceu record de audiências até 2010. A ideia era boa, os americanos precisavam era de tempo para se rirem dela.
Ao enorme fiasco das sondagens especiais de corrida em antecipação à saída dos resultados do referendo britânico, que fez muitos ir para a cama a contar com um resultado e a acordar com outro, seguiu-se ontem outro fiasco dessas mesmas sondagensespecialíssimas nas mesmas circunstâncias, só que agora passou-se tudo numa noite, por ocasião das eleições espanholas. Ocasião mais do que justa para prestar homenagem às empresas portuguesas do ramo que, não isentas de enganos, têm um registo muito mais honroso quanto a esses erros clamorosos.
Acima está um boletim de voto alemão utilizado nas eleições de 1932 e abaixo um de 1936. Mas, contudo, não foram os 37% de eleitores alemães que votaram no NSDAP de Adolf Hitler em Julho de 1932, ou sequer os 44% que o fizeram em Março de 1933 que assassinaram a democracia e a liberdade de escolha na Alemanha. Para o fazer, Adolf Hitler, cujo partido nunca contou com a maioria absoluta no Reichstag enquanto houve democracia, teve que se aliar com os deputados de formações da direita nacionalista para passar legislação que lhe permitisse governar ditatorialmente. A ditadura do III Reich não foi originalmente plebiscitada, necessitou da cumplicidade de uma parte das elites não nazis para se instalar. Para as ideologias totalitárias um apoio popular significativo pode ser conveniente, mas não é imprescindível para chegar ao poder: o fascismo italiano conquistou o poder pela força, sem se apresentar a eleições livres, e a melhor votação do comunismo em eleições livres no Leste da Europa foram 38% dos votos na Checoslováquia em 1946 (as votações nos outros países foram todas mais fracas, quando não mesmo medíocres). Por causa disso e por se confundir o acessório com o essencial, aborrece-me que os eleitores alemães desses anos conturbados de 1932-33 sirvam sempre de alibi para a demonstração da falência do critério da vontade popular como opção última da decisão política.
Como tornou a acontecer, mais uma vez, como sequela dos resultados do referendo no Reino Unido na Quinta-Feira passada. Não me ocorre expressão mais apropriada para designar o que está a acontecer do que designar o fenómeno por futebolização da política. Os actos eleitorais cada vez mais se assemelham aos jogos de futebol: os bonsjogos são aqueles em que ganhamos, de preferência por muitos. E, quando se perde, há de haver razões outras, que não as futebolísticas, para justificar o resultado – descobre-se que a arbitragem, por exemplo, foi tendenciosa e influiu no resultado. E será por isso já há quem queira repetir o jogo, mas agora com novas regras. Há também a chicotada psicológica, a que se recorre quando se culpa e se saneia o treinador. Por acaso aqui ele já se saneou a si próprio, mas pululam as críticas a David Cameron por se ter lembrado de realizar o referendo. Alguns, mais técnicos e desesperados, podem chegar à desfaçatez de criticar os próprios jogadores: pelos vistos a equipa estará muito envelhecida e os jogadores mais velhos não deviam jogar. E para rematar há os cientistas, aqueles que vêm mais longe, que conhecem as correntes profundas de interesses que presidem ao sorteio dos árbitros e que também sabem que, lá no fundo, o povo em geral é estúpido e manipulável: não elegeu ele, num momento de delírio e fragilidade, Adolf Hitler ao poder?
Por acaso não (se Hitler era um malandro tão grande quanto Passos Coelho, podia ter-se tentado, ao menos, montar uma geringonça no Reichstag...), mas aceita-se a crítica de que imbecil será termo demasiado forte para designar os protagonistas de uma ou várias das opiniões descritas acima. Pelo menos, acredito pacífico não lhes atribuir grandes predicados quanto à aceitação das regras da democracia, mas aceitam-se sugestões de qualificativos compatíveis tendo em conta a valia das opiniões...
Depois do referendo britânico tem-se assistido a exemplos dos mais despudorados tentando renegar o que foi a decisão dos eleitores. Há quem se manifeste contestando os resultados. Há quem queira organizar um novo referendo. Multiplicam-se pelas redes sociais os imbecis a relembrar que Hitler e os nazis também venceram eleições (aqui não ponho links, não vá desconsiderar por omissão algum imbecil...). É a futebolização da política em todo o seu esplendor: eleições e referendos bons, só mesmo os que se ganham. Por onde pára a humildade democrática de os saber perder?... Mas, no meio dos dislates, há os meus favoritos, as análises que parecem decorrer de um raciocínio aprofundado, que, não nos dizendo o que pensar, apenas nos sugerem como nos devemos consolar, como é o caso do quadro acima: deduz-se dali que as classes etárias que mais pugnaram pela saída do Reino Unido da União Europeia são precisamente aquelas que menos tempo viverão as consequências da sua decisão. Uma injustiça! Os mais jovens vêm-se na contingência de viver as consequências do que as gerações precedentes lhes impuseram.
É uma ideia que, da forma como está apresentada, até parece formalmente correcta. Tão correcta que apenas se estranha que só agora a vejamos apresentada, já que a lógica que lhe está subjacente é verdadeira, não apenas para o referendo de anteontem, como também para todas as eleições: são sempre as gerações mais novas as que, tendo uma expectativa de vida superior e que por isso se espera que vivam mais tempo, sofrerão por mais tempo as consequências de todas as políticas que são decididas, a contar do momento da decisão. Mas, esse facto (indesmentível), não tem parecido razão para que se levantem muitas vozes a defender, por exemplo, a atribuição de uma ponderação reforçada de votos aos mais jovens - quiçá estender mesmo o direito de voto até às crianças que são afinal as mais afectadas de todas (não consta do quadro acima, mas diga-se que fazendo as mesmas contas e adoptando como bom o raciocínio supra, as crianças britânicas dos 0-18 anos teriam que viver 81 anos em média com esta decisão). Ao contrário disso, o que me parece que costuma acontecer é existir um reforço da influência - considerada tradicionalmente mais conservadora - dos mais velhos: é o que acontece por exemplo nos actos eleitorais nos clubes de futebol, onde os sócios mais antigos dispõem de mais votos; também se pode consubstanciar em câmaras representativas reservadas aos mais idosos - os senadores. Não sei se quem elaborou o mapa acima se chegou a aperceber até onde o poderia levar a aplicação daquele seu raciocínio de que os votos dos mais novos deveriam ser mais valorizados porque mais afectados. Porque um senado em formato infantil (abaixo) parece-me uma daquelas propostas verdadeiramente inovadoras nos domínios da ciência política... E tudo isto no quadro de uma aceitação indigesta dos resultados de um referendo...
Mais a sério e para o que interessa, no referendo de anteontem a qualidade do voto foi precisamente a mesma para todas as classes etárias. O que ficou decidido, foi decidido pelo princípio menos controverso de todos, o de um homem = um voto. O que é completamente falacioso naquele quadro inicial é profetizar que as gerações mais novas estarão condenadas a viver todos aqueles anos com as consequências da decisão que anteontem se tomou (por culpa das mais velhas). Recorde-se que em 1975, outras gerações de britânicos haviam votado num sentido diferente ao de anteontem. Ontem, entre os que tinham mais de 60, houve certamente quem tivesse mudado o sentido de voto. Como também num próximo referendo daqui por alguns anos as novas gerações poderão rectificar o sentido global do voto actual e tornar a pedir a readmissão à União Europeia. É isso um dos inigualáveis benefícios que a Democracia nos propicia, aos cidadãos: cada eleitor pode mudar de opinião e com isso, o seu sentido de voto. Nenhuma decisão é irrevogável (no verdadeiro sentido do termo...). Têm é que se lhes perguntar... o que em Portugal, e a respeito da União Europeia, nunca se fez, acrescente-se.
Como mais uma das idiossincrasias que tornam a democracia britânica tão específica, Boris Johnson, que pode ser considerado um dos maiores vencedores do referendo de ontem, é hoje vaiado à saída de sua casa.
Um dos aspectos colaterais mais interessantes dos resultados do referendo britânico de ontem foi a particularidade da situação escocesa. Há menos de dois anos, por ocasião da realização do já esquecido referendo sobre a independência da Escócia, houve várias vozes de dentro da União Europeia que haviam induzido o sentido do voto, ao alertarem que seria necessário o regresso de uma Escócia independente ao seio da União Europeia e que essa iria ser uma tarefa demorada. Pois bem, é difícil a situação ser mais irónica: ontem, a Escócia votou maioritariamente por permanecer na União Europeia mas acaba por sair da União Europeia arrastada e precisamente por não se ter querido tornar independente da Inglaterra, conforme os tais senhores em Bruxelas queriam que ela fizesse... Claro que a descida significativa do preço do petróleo torna as condições para a independência escocesa muito menos atractivas agora do que se apresentavam em Setembro de 2014, mas note-se, por este exemplo, como o resultado do referendo poderá vir a provocar muito mais alterações do que aquelas que eram originalmente antecipadas pelos intervenientes.
Há capas de jornal destinadas a tornarem-se disparates célebres depois de uma noite eleitoral mais disputada: a história da fotografia acima, porventura o maior disparate do género, já a contei aqui; hoje, e apesar de não apreciar a personagem, num outro lugar do pódio, ou pelo menos a merecer uma menção honrosa, Nigel Farage merecia ser consagrado ostentando a capa da edição de hoje do The Sun... ou isso, ou então, considerando a semelhança do estilo de jornalismo com outros de nós conhecidos, deixar-se filmar enrolando o jornal e atirando-o para dentro de um lago próximo.
Muito francamente, e porque a prática é recorrente e as consequências nulas, eu suspeito que o pessoal encarregue de elaborar os gráficos de painel na RTP já estão tão habituados a aldrabá-los e a manipulá-los que até já nem se ralam...
Há precisamente cinquenta anos, 23 de Junho de 1966 (por coincidência também uma Quinta-Feira), pelo Mundo ainda se digeria (mal) a ressaca do anúncio feito três meses antes pelo general de Gaulle, presidente da França, que a partir de 1 de Julho desse ano, o seu país iria abandonar a estrutura militar da NATO. Não perdendo o balanço, a França solicitara ainda aos Estados Unidos que evacuassem as bases militares que, ao abrigo dos acordos da organização, aquele país mantinha em território francês. E, para acrescentar uma demão suplementar às tintas do desaforo, a 20 de Junho, o presidente francês iniciava uma visita de Estado (e de estadão) à União Soviética, o inimigo figadal do Ocidente contra o qual a NATO fora originalmente criada. A cumplicidade entre visitantes e visitados, o interesse de ambos numa publicidade desmesurada dada à iniciativa, fez os segundos mobilizar as tais massas populares como só os regimes socialistas sabiam mobilizar: numa das suas capas, a revista Paris-Match anunciava em rodapé que houvera 800.000 moscovitas nas ruas para receber o general de Gaulle. Mas o que me interessará mais aqui destacar foram as reacções em Portugal e do resto do Mundo. A capa do Diário de Lisboa de há cinquenta anos (acima) dava nota de um dos eventos da visita, um acordo espacial, mas o destaque (e o interesse) vai todo para um editorial assinado pelo jornalista Carlos Ferrão (1898-1979). Porque se torna difícil de o ler no original transcrevi-o mais abaixo na íntegra. Recomenda-se a leitura, por causa do alarmismo atribuído às consequências da decisão francesa e mesmo pela invocação do fantasma da reversão das alianças da guerra-fria. Hoje é evidente quanto aquela análise foi exagerada e inconsequente: de Gaulle não virou comunista nem sequer seu aliado. Mas é precisamente aquele mesmo género de análise jornalística, tremenda nas suas consequências, que tenho lida brandida repetidamente a propósito das consequências (vastas) se houver uma opção dissonante causada pelo referendo britânico (ou seja, se houver Brexit), acto eleitoral que se realiza, nem de propósito, cinquenta anos depois.
A Segunda Viagem
Em Dezembro de 1944 de Gaulle esteve em Moscovo acompanhado por Georges Bidault, então ministro dos Negócios Estrangeiros, que foi um dos promotores do golpe de Estado de 13 de Maio de 1958, o qual preparou o regresso daquele ao Poder. Bidault encontra-se exilado no Brasil. Assinou-se então o tratado franco-soviético, que devia ser, no pensamento dos seus autores, a reedição das alianças celebradas entre a França e a Rússia para conjurar o perigo alemão. Em vez desse resultado foi (sic), por duas vezes, a guerra, que teve por epílogo a derrota da Rússia na primeira e da França na segunda. De Gaulle é certamente o último francês a pensar que o regresso a esse método ultrapassado daria melhor resultado no nosso tempo. A sua segunda viagem a Moscovo não é a repetição da anterior e os seus efeitos, em caso algum, serão os mesmos.
Ao abandonar a Aliança Atlântica não foi apenas o princípio da integração que ele repudiou, mas também o da aliança militar que nela se baseava. Para lançar a semente da revisão política e estratégica que iniciou, fazendo sair a Europa e o Ocidente do ponto morto da guerra fria, de Gaulle não pode querer substituir uma aliança por outra, nem aceitar, em vez da integração que interpreta como subordinação aos Estados Unidos, a subordinação da França à União Soviética, pois outra coisa não seria a renovação do pacto franco-soviético de tivermos em conta a desigualdade existente entre os dois países. A sua visão do futuro é por vezes impregnada das evocações do passado, mas seria absurdo que quisesse preparar o primeiro moldando-o pelo que de pior teve, para a sua pátria, o segundo.
Consolidando uma reputação tecnológica que tem vindo a ser construída desde há mais de cem anos, a tecnologia indiana mostrou ontem toda a sua reputada capacidade de potenciar a capacidade de transporte de um veículo concebido por si, quando anunciou ter colocado em órbita 20 satélites recorrendo apenas a um foguetão (acima).
Tornaram-se emblemáticas fotografias como a acima, que mostram como um comboio indiano típico tem uma lotação e acomodações distintas dos seus congéneres de outros países do Mundo. Também é possível constatar abaixo, nesta versão asiática do famoso programa da BBCTop Gear, que uma viatura indiana típica pode transportar comodamente 12 pessoas...
A notícia de ontem parece constituir o anúncio da chegada de tal conceito logístico à exploração espacial.
Digam-me, por favor, se não terei exagerado quando dei por mim a associar a imagem exuberante mas também frágil deste chapéu d(e um)a moda à promoção que tem sido dada nas últimas semanas à selecção nacional de futebol? A fotografia é de Ferdinando Scianna (1977). Hoje é o dia em que tudo se arrisca em culminar num barrete - daqueles justinhos e com pompom de campino.
A reacção despeitada do primeiro-ministro italiano Matteo Renzi aos péssimos resultados eleitorais que o seu partido alcançou no Domingo passado parece-me demonstrativa de como nem mesmo os principais protagonistas políticos europeus parecem aperceber-se da transformação subtil que as eleições têm vindo a registar nos últimos anos, mesmo naqueles países com democracias históricas e aparentemente consolidadas. É que, para tomar o desabafo acima à letra, pode não interessar muito o que farão os grilinhos (alusão de Renzi ao seu rival político, Beppe Grillo, um humorista não muito consequente nem fiável) em Itália, assim como não é certo que valha a pena, noutro exemplo, celebrar o afundamento nas simpatias políticas por parte do Syriza na Grécia. As asneiras que os primeiros possam vir a fazer, as austeridades que os segundos estão a impor, o desmoronamento eleitoral de qualquer daquelas duas modernices eleitorais não é garantia de que o eleitorado venha depois daí a regressar às desejadas opções políticas tradicionais como será o desejo dos despeitados. Pode apenas acontecer (aliás, é muito provável que aconteça) que essa parte do eleitorado flutuante (que está proporcionalmente em crescimento em quase todos os países em crise) se transfira, desagradado e transumante, para uma nova proposta política marginal, quiçá ainda mais destrambelhada. Do outro lado do Atlântico, com Chávez e com Trump, vêem-nos exemplos de que não há limites...
Ao contrário dos maiores ódios que José Rodrigues dos Santos parece despertar, nada tenho contra o seu enorme sucesso como escritor. Outro problema se coloca quando o que está em causa é a sua competência como jornalista, para mais trabalhando para um canal público de televisão. Aquilo que ele fez em Atenas foi tão medíocre que era merecedor de sanção com pena suspensa. Pelos vistos, não, ei-lo de volta exibindo toda a sua objectividade. Mas para dar ao texto o registo irónico que ele merece, registe-se que em Londres e ainda a propósito das piscinas urbanas que tanto celebrizaram o correspondente da RTP, para quem não a conheça há uma famosa sky pool (fotografia abaixo), suspensa entre os terraços de dois prédios, onde o José Rodrigues dos Santos, coerentemente, pode ir fazer o trabalho de reportagem de verificar se os proprietários pagam a respectiva council tax...
A Wikipedia diz-nos que existem 40 porta-aviões operacionais em todo o Mundo. Será a classe de navios de guerra de que existirão mais fotografias, provavelmente milhares, onde os vasos aparecem normalmente em poses dinâmicas e operacionais, exibindo a parafernália voadora no convés, de que é exemplo canónico o Admiral Kuznetzov russo da fotografia acima. Pois ainda assim, mesmo após muito anos e depois de ter visto centenas de fotos de porta-aviões nas mais variadas poses guerreiras, a marinha russa (que já foi soviética e secretíssima) ainda foi capaz de me surpreender com fotos inéditas como a deste caso abaixo, onde os aviões foram substituídos no convés por umas largas dezenas de marinheiros lagarteando ao Sol. Em contraste, não me lembro de ter visto fotografia vagamente parecida tomada em qualquer dos vasos da marinha dos Estados Unidos, uma hipótese mais provável já que esta representa mais de metade da capacidade aeronaval mundial. Donde se conclui que uma das três hipóteses seguintes é verdadeira: a) nos porta-aviões norte-americanos, e como se vê nos filmes, a azáfama é outra e nunca se descansa; b) ou descansando-se, isso nunca acontece em dias solarengos; c) ou é proibido tomar banhos de Sol no convés; d) ou há um controlo rigoroso das fotografias tomadas a bordo e publicadas no exterior...
Porque já se passaram 25 anos é natural o esquecimento, mas, a propósito do desta semana no Reino Unido, lembre-se que 1991 foi o ano de todos os referendos. Houve-os para todos os gostos em terras que a eles não estariam habituados. As três repúblicas do Báltico, Estónia, Letónia e Lituânia, que faziam então parte da União Soviética, organizaram em Fevereiro e Março desse ano referendos em que se questionava a continuação desse estatuto versus a independência. A ideia fora anteciparem-se a um outro referendo, realizado na própria União Soviética em prol da sua preservação. Este último foi boicotado não apenas nas três repúblicas bálticas acima mencionadas, como também na Geórgia, na Arménia e na Moldávia. Onde se organizaram posteriormente os seus referendos que apuraram precisamente o contrário daquilo que o da União pretendia. Precipitada pela tentativa de golpe de Estado de Agosto, a dinâmica de decomposição da União Soviética parecia imparável, que veio a ser complementada por mais referendos em outras repúblicas, casos do Azerbaijão, do Uzbequistão ou da Ucrânia. A URSS desapareceria ainda antes do fim do ano.
Ora, o que eu não me recordo, nem na época, nem depois, foi ver todo este frenesim referendário ser analisado pela mesma perspectiva predominantemente económica como agora tenho visto estar a ser analisado o referendo britânico. Eu explico-me: já o império russo o fizera anteriormente, mas foi sobretudo depois o poder soviético que lhe sucedera, que promovera activamente a incorporação económica das regiões constituintes da União. Cada república da URSS tendia a especializar-se num conjunto de actividades tendo como mercado as restantes regiões. Essa grande área económica veio a alargar-se a partir de 1945 com a hegemonia exercida pelos soviéticos sobre a Europa de Leste e em países adjacentes como a Finlândia. Um dos paradoxos dessa complementaridade é que a Rússia, e ao contrário do que acontece tradicionalmente nestes casos, como região hegemónica e predominante do conjunto, não se especializara na produção de produtos sofisticados mas apenas das matérias-primas, sobretudo de origem siberiana. É assim que ainda hoje, a Ucrânia e muitos países da Europa de Leste estão forte, quando não totalmente, dependentes da energia russa. A integração económica do conjunto implicaria que a desagregação da União Soviética em 1991 iria ter um impacto profundo em metade da Europa. Como teve: veja-se o gráfico abaixo e a recessão que campeou por lá, em todos os países sem excepção, tanto do antigo espaço soviético como fora dele, durante a primeira metade da década de 1990.
Ora, para voltar ao tema por onde havia começado o parágrafo anterior, não me recordo de ter ouvido muitas Cassandras económicas em 1991. Havia efectivamente muitas vozes agoirentas - há-as sempre - mas sempre no quadro do problema político e estratégico. Porque de um problema político se tratava, embora com enormes repercussões económicas. Neste caso do referendo britânico o que eu tenho estado a assistir é à subversão do que é a causa e do que é a consequência, do que é primordial e do que é acessório. Os britânicos, tal como outrora os lituanos e os restantes povos soviéticos o fizeram, decidirão da sua continuação na União Europeia por variadíssimas razões. Algumas até erradas; outras insignificantes; a económica será uma delas, mas não sei aquilatar da sua importância no computo global. Sei que no caso da dissolução da União Soviética não pesou grandemente, pois o impacto negativo nas economias das republicas era antecipável e não foi determinante. Mas, por causa do que me parece um expediente argumentativo, confesso que me tenho dedicado a um exercício que me tem divertido imenso e que aqui quero compartilhar com o leitor: quando se depararem com alertas quanto à evolução económica desfavorável no caso do Reino Unido abandonar a União Europeia, perguntem-se - e normalmente é fácil adivinhar a resposta... - se aquela mesma pessoa seria capaz de apresentar o mesmo género de argumentos - os prejuízos económicos - se ele fosse para ser utilizado como argumento em prol da continuação da União Soviética...
Se todos os outros restantes países europeus sempre designaram os Jogos Sem Fronteiras da mesma maneira, será esta uma semana inoportuna para recordar que os britânicos também sempre preservaram uma outra forma muito própria de designar o mesmo programa (It´s a Knock Out)? De qualquer modo, e ainda a propósito desses anos de Europa mítica e das ilusões associadas à abolição das fronteiras, não se me escapou a imaginação de, a propósito das rivalidades das competências das instituições comunitárias, enfiar um fato de avestruz tanto a Dijsselbloem como a Juncker e mandá-los disputarem-se para a apanha de uns anéis (mais abaixo).
Este vergonhoso momento televisivo torna-se antológico mas apenas por se encadear a indignação da astróloga, mortificada na sua sensibilidade de crente pelo riso alheio (que até não era do destinatário da sua cólera, mas antes de Joana Amaral Dias sentada ao seu lado), com o axandranço abrupto do padre que perde num ápice todas as convicções e qualificações que o haviam levado a escrever o livro que o fazia convidado do programa. A astróloga sensível é a mesma que, num outro programa de televisão, consegue fazer um diagnóstico clínico por telefone pousando umas cartas em cima da mesa...
Nem vale a pena explicar detalhadamente em que consiste o escândalo BHS porque o que dele interessa destacar é a presença num inquérito parlamentar do protagonista Sir Philip Green, a pessoa em destaque no vídeo acima. Há vários milhares de pessoas que vão a ficar a arder com o dinheiro com que contavam para a reforma, o Sir Philip tem o seu acautelado num banco do Mónaco e o caso parece suficientemente escabroso para que até a revista The Economist não tenha contemplações para com a golpada do bicho. Mas os portugueses que vêm o vídeo têm o bónus adicional de, mesmo sem acompanharem os detalhes da conversa, reconhecerem naquela atitude a mesmapesporrência de figurões nossos que passaram (também) recentemente pelo nosso parlamento a fingir responder, tanto quanto este, ao que lhe é perguntado pelos deputados. E, para completar a analogia com os Ricardos Salgados ou os Zeinais Bavas cá do burgo, também neste caso haverá fotografias com companhias para todosos gostospolíticos.
Ao contrário de um dos estilos literários que mais se associará aos ingleses, o policial clássico de Arthur Conan Doyle e de Agatha Christie, o enredo do Brexit também se sintetiza numa questão, mas esta apresenta-se de forma subtilmente diferente: em vez da interrogação Who done it? (às vezes corrompida para Whodunit), o que o leitor quer saber é seWill they do it? Será que os britânicos votarão pela saída da União Europeia? Um amigo meu ainda hoje me perguntava onde é que se podia encontrar na internetsites onde se lessem opiniões favoráveis à saída. É uma pergunta que é bem mais pertinente do que se pode pensar à primeira vista: neste assunto, assim como, já agora, no das presidenciais americanas e em favor da candidatura de Trump, dificilmente se pode encontrar maior discrepância entre o que as sondagens nos mostram ser a opinião pública britânica (e também norte-americana) e aquilo que se pode ler pela opinião publicada pela comunicação social dos respectivos países. Há pessoas a pensar aquilo, com certeza, seja o Reino Unido fora da UE, seja Donald Trump a presidente dos USA, nós é que não conseguimos dar por elas.
A forma como o referendo do Brexit está a ser acompanhado mediaticamente em Portugal limitar-se-á a reflectir a falta de equidistância entre posições que se constata na origem. Sobram em opiniões aquilo que falta em considerações que possam enquadrar e reduzir a efervescência das consequências da votação do próximo dia 23. Por exemplo, só a dois comentadores li o esclarecimento que a adesão original do Reino Unido fora posteriormente validada por um referendo que teve lugar em 5 de Junho de 1975. Os britânicos podem orgulhar-se de terem sido dos poucos povos europeus a terem sido consultados quanto à adesão à CEE (não foi infelizmente o nosso caso, nem quando da adesão, nem depois de promessas expressas por José Sócrates nos anos 2000). Esse referendo de Junho de 1975 registou uma afluência decente de 65% e uma maioria robusta de ⅔ dos votos em favor da adesão, adesão essa que já tivera lugar, mesmo assim, quase dois anos e meio antes. Curiosamente, o partido que se mostrava mais dividido nessa época quanto à atitude a tomar fora o trabalhista, então no governo, e foi Harold Wilson o primeiro-ministro a fazer o show-off para consumo doméstico de renegociar as condições de adesão que haviam sido originalmente acordadas pelo governo conservador de Edward Heath. Quando David Cameron apareceu em Fevereiro deste ano a negociar um estatuto especial para o seu país, apenas estava a fazer uma reencenação de uma história de 41 anos. Convinha que isso tivesse sido mais lembrado.
Uma outra questão que se tem estado a perfilar como progressivamente mais importante ao ritmo dos resultados das sondagens é o das consequências da saída do Reino Unido da União Europeia. Aqui, e ao contrário do referendo de Junho de 1975 que, mesmo assim, é referido com alguma regularidade na comunicação social britânica (embora muito menos por cá), não consegui encontrar quem se tivesse referido ao precedente da saída da Groenlândia da CEE. Que raio, é apenas a Groenlândia, não é um grande país, mas apenas a região autónoma de um pequeno (a Dinamarca). Só que, desde 1979 e reforçado por um referendo que teve lugar em 1982, a verdade é que a Groenlândia deixou de fazer parte da União Europeia, mesmo continuando a fazer parte da Dinamarca. Foi uma deserção tão suave que mal se deu por ela. Uma das questões que mais acirrou a secessão - aspecto a que também somos sensíveis - foi a questão da soberania sobre as suas águas territoriais. Não é crucial, mas reconheça-se que esta deserção nórdica, conjugada com a recusa sucessiva (por duas vezes: 1972 e 1994) da Noruega em fazer parte da União, estraga severamente aquela imagem propagandística da instituição comunitária como um El Dorado de que todos querem fazer parte. Mas o tom dominante entre a opinião publicada é o de pré-tragédia em caso de separação e escrever sobre secessões que acabaram por correr bem é desaconselhável: a quem interessa lembrar que entre 1963 e 1965 Singapura fez parte da Malásia, para depois se separarem acrimoniosamente, e que hoje os dois países se contam entre os mais prósperos da Ásia e mantêm relações diplomáticas normais?
Quanto ao assunto concreto em si e para onde vão as minha simpatias, começo pelas evidências: sendo parte remotamente interessada, não sou parte interveniente, o que me desresponsabiliza do que decida. Na verdade, não vou decidir nada, nem sequer voto. É como a participação da selecção portuguesa no Euro 2016: vibrar com a nossa selecção mais não esconde do que a nossa incapacidade de interferirmos no seu desempenho. Mas, mais do que uma simpatia pelo Brexit, o que tenho sobretudo é uma profunda antipatia pelo Bremain e pela propaganda que lhe está associada. Já cultivei a ilusão que a sanção da saída do Reino Unido poderia vir a ter um efeito colateral (benéfico para Portugal) sobre a conduta de Bruxelas. Mas parecem acumular-se indícios que não é nada disso que vai acontecer. A propósito de muitas análises que já li sobre este assunto, há por aí uma ideia errada de que as grandes convulsões europeias foram resultado de políticos bem intencionados a oporem-se a políticos mal intencionados. Que foi assim que começaram as Guerras Mundiais. Mas não é verdade. A Alemanha não invadiu a Polónia para começar a Segunda Guerra Mundial. A Alemanha estava convencida que, depois da assinatura do seu acordo com a União Soviética, a França e o Reino Unido não teriam coragem de lhe declarar guerra quando forçasse a entrada na Polónia (como já fizera antes na Áustria e na Checoslováquia). Só que a Alemanha se enganou. Sabe-se o resto. A grande e feliz diferença é que agora não vão morrer milhares por causa disso, mas as certezas que se lêem por aí parecem tão assertivas e tão diáfanas quanto as de 1939.
As notícias da detecção pela primeira vez das ondas gravitacionais provocadas pela fusão de dois buracos negros têm a normalidade do anúncio da comprovação de uma teoria científica. Percebem-se. Mas as notícias da mesma detecção feitas por uma segunda vez dessas mesmas ondas gravitacionais resultante de uma outra fusão tornam-se suspeitas. Desde quando um acontecimento - ainda para mais científico - que ocorre pela segunda vez precisa de destaque noticioso? Tem de haver qualquer outra motivação que não científica para tal anúncio - haverá alguma necessidade de massacre noticioso para forçar o reforço ao financiamento do programa?...
Pretexto para indignar leitores e arranjar mais um pretexto para deixar as redes sociais ao rubro, Mein Kampf foi a obra mais vendida da Feira do Livro, a Editora Guerra & Paz já prometeu uma terceira edição. Mas não foi o facto da sua propriedade intelectual ter caído nos finais de 2015 no domínio público que fez com que o livro mudasse de características: tem tanto de célebre quanto de maçudo. Tirando alguns obcecados ideológicos e alguns devotados do mesmo clube do Pacheco Pereira, é um livro ilegível para quem o quiser fazer de uma forma lúdica. Utilidade, serve sobretudo para ir lá recuperar umas passagens demonstrativas de que Hitler, ao contrário de Estaline, não era hipócrita. Como acontece com os exemplares do Expresso ao Sábado, acredito que o livro tenha sido muito vendido, mas não será para o ler. Nesse aspecto e para aqueles mais veteranos e que ainda tenham memórias de há 41 anos recordo que, como os frutos mais apetecidos eram aqueles que haviam sido proibidos, estes dois volumes abaixo de O Capital também já iam na terceira edição em finais de 1974, e também duvido que alguém os tivesse lido antes de voltarem a ser postos à venda no OLX...
Quando mais se fala da Caixa Geral de Depósitos mais eu me lembro desta magnífica capa do Diário Económico de 30 de Abril de 2014. Foi há pouco mais de dois anos e a capa estava mesmo bonita, enfeitada com a fotografia de Pedro Passos Coelho e a limpeza da saída pintada num cor de laranja subtil. Percebe-se agora que as inspecções às limpezas não foram feitas assim com muito zelo...