31 dezembro 2020

A NOMEAÇÃO DO NEGRO PARA O «ALTO» CARGO ADMINISTRATIVO

31 de Dezembro de 1960. Uma das notícias de há sessenta anos era que o presidente-eleito dos Estados Unidos, John Kennedy, nomeara «um negro para um alto cargo administrativo»! O «negro», Robert C. Weaver, seria considerado no Portugal contemporâneo, não propriamente um negro, mas um mulato, e daqueles mais claros, ou seja, aceitável. Quanto ao «alto» cargo, afinal era apenas a direcção de uma agência federal (Housing and Home Finance Agency) - e elas são tantas que, ainda hoje, ninguém se arrisca a precisar qual o número (da ordem das centenas) de agências dependentes da administração federal norte-americana. Ou seja, ninguém teria prestado atenção a esta nomeação, não fora a condição do nomeado. E era «o mais alto cargo até hoje ocupado por um negro nos Estados Unidos». E isto passa-se noventa e nove anos depois de ter começado a Guerra Civil nos Estados Unidos, cujo objectivo dos vencedores fora a erradicação da escravatura. A história das relações raciais nos Estados Unidos é um verdadeiro embaraço.

7 comentários:

  1. A historia das relacoes raciais nos EUA e um "shitshow", concord.

    Mas... :) mas...

    "E isto passa-se noventa e nove anos depois de ter começado a Guerra Civil nos Estados Unidos, cujo objectivo dos vencedores fora a erradicação da escravatura."

    Sendo certo que la para o meio da Guerra o Lincoln la acertou o tiro para incluir a abolicao da escravatura como objectivo, eu diria que isso foi um objectivo cujo objectivo principal era obter "boa imprensa"... foi um daqueles objectivos que chegou um pouco atrasado a danca e com pouca conviccao, olhe, diria que uma boa similitude seria o entusiasmo com que um Brasil ou tantas outras nacoes abracaram a causa Aliada na II Guerra Mundial...

    Na minha opiniao o primeiro e sempre primordial "casus belli" dos yankees sempre foi evitar a secessao dos Estados do Sul...
    Na minha opiniao tambem, e de forma mais controversa, vejo a Guerra civil Americana como uma Guerra colonial.

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  2. «...vejo a Guerra Civil Americana como uma Guerra Colonial».

    Por sinal, esse é um dos pontos sugeridos mas não expressamente mencionados deste texto dado que a continuidade das evocações irá certamente dar possibilidade de voltar ao tema. Levar-nos até 1960 e ao «Portugal contemporâneo», dirigido pelo governo assumidamente colonialista de Salazar.

    E justapor essa realidade com a administração Kennedy que irá tomar posse daí por semanas, e que tendo o poder e também a moral de vir a dar lições ao regime português sobre os mais diversificados aspectos, neste caso das relações raciais, faz aqui publicidade a um gesto que é muito simbólico e é muito pouco.

    Mau grado estas operações de cosmética, na América profunda, em nome da qual John Kennedy pregaria moral ao resto do Mundo, os "pretos" não podiam beber um sumo de laranja num restaurante de uma pacata cidade do Delaware, mesmo que se tratasse do ministro das Finanças de um país africano.

    Nesse aspecto, Dover, no Delaware, não tinha nada a ensinar ao Lobito, em Angola ou a Nampula, em Moçambique, talvez antes pelo contrário.

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  3. Boa. Entao dando um passo mais alem nas opinioes controversas acrescento:
    Sendo certo que contra-factuais sao sempre exercicios de semi-absurdos e que a vantagem estrategica foi sempre do inicio ao fim da guerra civil americana no lado Yankee, na minha opiniao, tanto os EUA mas acima de tudo o resto do munro, seria um lugar muito melhor para viver tuvessem os sulistas vencido a guerra.
    Lowlander

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  4. Sinceramente não o acompanho no exercício.

    Aquilo que li a respeito de história contra-factual da América revelou-se um enorme desapontamento. Para mim, cada um dos episódios dessa história que é ali distorcido para lhe dar um desfecho diferente (veja o conteúdo do livro no link) mereceria, só por si, uma explicação robusta, de pelo menos uma centena de páginas cada, para avaliar as inúmeras consequências de os acontecimentos terem evoluído historicamente num sentido e não noutro.

    Apenas um exemplo: se os Estados Unidos não tivessem alcançado a independência nos finais do século XVIII, isso teria influenciado substantivamente a composição da sociedade canadiana, já que esta recebeu um grande influxo de colonos lealistas britânicos que se transferiram para o Ontario com a independência americana. Sem isso, teríamos assim um Canadá menos povoado mas muito mais francófono, onde esta última comunidade poderia ser maioritária, como acontece na realidade com os brancos africânderes da África do Sul. E também na África do Sul, na Austrália as respectivas composições sociais seriam previsivelmente afectadas, já que as colónias americanas continuariam mais próximas e mais atractivas como destino da emigração oriunda das ilhas britânicas. Teríamos assim uma América mais WASP do que o é na realidade mas um conjunto de «dominions» menos povoados e/ou com sociedades mais mescladas. Enfim, deveríamos escrever parágrafos, páginas e páginas, só sobre este assunto. Mas há muito mais assuntos...

    Só que os livros do género, por necessidade editorial, só dedicam umas dezenas de páginas a cada contra-factual e, mesmo que com a contribuição de historiadores respeitados naquele período, limitam-se a avaliar as consequências do assunto muito pela rama.

    Diz-me que os Estados Unidos e o resto do mundo seria um lugar muito melhor se os sulistas tivessem vencido a guerra... A minha primeira, de uma dezena de dúvidas, é a de perceber qual o cenário remotamente plausível de como os confederados podiam ter vencido a guerra...

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  5. Caro A.Teixeira,

    Como poderiam os confederados ter ganho a Guerra?
    Bom...
    1) Eu estou bem consciente do facto que exercicios contra-factuais de historia sao semi-absurdos - explicitei-o. A resposta correcta e: nao poderiam, se pudessem tinham ganho.
    2) Em Segundo lugar falta-me a bagagem teorica para discutir este assunto em pe de igualdade consigo, pelo que "tem de me dar um desconto" e ter paciencia.
    3) A Guerra Civil Americana foi uma Guerra colonial. Puxando outros exemplos historicos, os Confederados poderiam ter ganho a Guerra... nao perdendo... que foi basicamente a forma como os movimentos indepedentistas em geral venceram potencias coloniais muito mais avancadas tecnologica e militarmente.
    4)O problema e que para isso os Confederados teriam de ter adoptado tacticas militares de guerrilha, Guerra indirecta e insurreicao que a bem dizer so foram devidamente maturadas uns 100 anos depois.
    5)Outro problema e que para uma Guerra indirecta de longo prazo ser prosseguida com sucessao tambem necessitariam de apoio externo coisa que a geografia nao ajudava.
    6) Com os pontos 4 e 5 bem em vista, os outros ingredients estavam todos la: os Confederados tinham muito mais populacao mobilizada, tinham maior conviccao na sua causa - alias a causa deles era mais simples de justificar "luto porque tu estas na minha terra", lutavam em terreno conhecido, estavam dispostos a sacrificar-se em muito maior numero para ganhar. O Norte estava dividido quanto a entrada na Guerra, nao tinha um objective claramente defensavel, taxas de mobilizacao residuais e largamanete dependentes de imigrantes - Maquiavel diria que era um exercito essencialmente composto por mercenaries, coisa que um Principe nao deve desejar.

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  6. Quanto as razoes que me levam a concluir que a Vitoria de um bando de racistas esclavagistas na Guerra civil teria sido um resultado mais benefico: a nivel global, uma America do Norte dividida por mais tempo, no minimo atrasaria a ascencao e hegemonia do Imperio Americano e sua influencia na criacao de teoria economica - isto tem consequencias de fundo na forma como o Ocidente criou e depois enfrentou as cronicas crises de sobre-producao capitalistas do sec XIX e XX, tambem consequencias de fundo na forma como o Imperio Sovietico se criou e se formou fortemente constrangido pela contra-resposta do Ocidente, possivelmente o Imperio Sovietico teria sido menos agressivo e mais isolacionista na ausencia de ameacas exteriores tao grandes como teve na realidade.
    Quanto aos EUA em si, o regime esclavagista confederado teria colapsado na mesma, por decadencia economica e provavelmente por insurreicao interna apoiada quem sabe, discretamente pelos EUA, talvez acabasse re-incorporado na Uniao talvez nao, certo e que a America do Norte seria uma realidade politica mais fracturada e multi-polar o que forcaria os paises constituintes a terem atitudes mais contemporizadoras e de negociacao face a outros paises. Quanto a questao racial nos EUA, a existencia de um estado soberano vizinho esclavagista teria servido de rampa politica para que nos EUA do Norte os direitos dos negros fossem usados como arma de propaganda politica o que melhoraria a sua condicao social necessariamente. No estados confederados, a abolicao da escravatura atraves de um processo interno permitiria uma transicao politica mais no estilo do que se passou no Brasil do que no estilo em que se efectuou nos EUA - O Brasil nao e outro shitshow de racism institucional, mas convenhamos que, apesar de tudo, melhor do que o que se passou nos EUA.
    E ja chega de exercicios mentais no reino do absurdo.

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  7. Meu caro, fiz o que me pediu, dei-lhe desconto e tive paciência.
    Mas suponho que não valerá a pena sugerir-lhe bibliografia para que estruture a sua argumentação com mais propriedade.

    Por exemplo quando escreve que «...teriam de ter adoptado tácticas militares de guerrilha, Guerra indirecta e insurreição que a bem dizer só foram devidamente maturadas uns 100 anos depois», posso recordar-lhe que 50 anos ANTES, espanhóis e russos haviam adoptado esse mesmo género de tácticas contra as tropas invasoras francesas...

    O enquadramento político do conflito - Guerra Civil - é que era muito diferente das invasões de Napoleão. E as circunstâncias políticas do conflito determinam sempre o tipo de guerras que se podem e se devem travar. No caso do Norte vs. Sul, tinha que ser uma guerra simétrica. Como escreveu Clausewitz, «a guerra é a continuação da política por outros meios». É uma citação que vejo mais citada do que compreendida nas suas implicações.

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