10 outubro 2017

«NÃO SERVIMOS PRETOS, MESMO QUE ESTEJAM BEM VESTIDOS E MESMO ATÉ QUE SEJAM MINISTROS...»

10 de Outubro de 1957. Três dias antes, dois clientes negros, apesar de impecavelmente vestidos, não foram devidamente atendidos num restaurante de Dover, a capital do pequeno estado norte-americano do Delaware. Nada haveria de notável em tal incidente se aquele cliente, a quem serviram o sumo de laranja só na condição de o levar, porque não o deixavam consumi-lo no local, restrito à frequência só de brancos, não fosse o ministro das Finanças do Gana. Esclareça-se que o Gana era então um país africano recente (tornara-se independente há apenas sete meses), mas não se pode deixar de compreender a reacção ofendida ao insulto de Komla Agbeli Gbedemah (assim se chamava o ministro), quando deixou no balcão o sumo, o troco, um comentário altaneiro sobre o estatuto social da clientela que ele via a ser atendida quando em comparação consigo, e finalmente a promessa de criar uma verdadeira tempestade diplomática por causa daquilo que acabara de acontecer. Cumpriu a promessa e beneficiou do momento, acertando em cheio nas virilhas da diplomacia americana que vivia então um momento intensamente pan-africano, pressionando todos os países com colónias africanas em conceder-lhes a independência o mais brevemente possível. Mas, se isso era a fachada da política externa dos Estados Unidos, em contraste e dentro de portas, o americano médio, neste caso o do Delaware (que fora um estado esclavagista até 1865), continuava com a sua prática de discriminação racial de sempre. O episódio tornou-se um escândalo muito inoportuno porque expunha toda a hipocrisia da atitude norte-americano em relação aos africanos e foi preciso mobilizar os bons ofícios do próprio presidente Eisenhower que convidou, há precisamente 60 anos, o ministro ofendido para um pequeno-almoço de desagravo na Casa Branca, consigo e com o vice-presidente Richard Nixon: sumo de laranja e também ovos com bacon. Isto era no tempo em que o presidente dos Estados Unidos, apesar de também passar muito do seu tempo a jogar golfe, ainda era útil nestas ocasiões porque tinha maneiras e sabia ser simpático...

Quanto ao ministro Gbedemah, que acima vemos ao lado esquerdo do líder ganês Kwame Nkrumah durante o discurso que este último profere por ocasião das cerimónias da independência a 6 de Março de 1957, esclareça-se que a sua carreira política vai ser encurtada - terminou em 1961 - por um conflito de personalidade com Nkrumah, nomeadamente por causa do despesismo faraónico pelo qual este último ficou conhecido. Acho esta última nota estranhamente oportuna no dia em que Pedro Santana Lopes se apresta a concorrer à liderança do PSD... Isto é coisa para os militantes do partido reflectirem, mas preparemo-nos para assistir a algumas cambalhotas argumentativas muito divertidas a propósito das virtudes políticas da austeridade que a geringonça não podia deixar de cumprir...

1 comentário:

  1. O Delaware era um estado esclavagista, mas curiosamente nunca integrou a Confederação.

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