25 de Junho de 1991. Numa cerimónia sóbria em Liubliana (acima), a Eslovénia procede à declaração unilateral da sua independência da Jugoslávia. A coreografia da cerimónia procura realçar a tensão política e militar do momento, com os soldados envergando camuflados em vez dos tradicionais trajos de gala para estas ocasiões. A própria data do evento, que fora anunciada inicialmente para 26 de Junho, foi súbita e inesperadamente antecipada de 24 horas, no que constituiu mais uma demonstração do conflito latente com as autoridades federais jugoslavas, uma finta de última hora às eventuais contramanobras de Belgrado. O caminho que conduzira a Eslovénia até à situação de ruptura tem algumas semelhanças, ainda que longínquas, com aquilo que mais recentemente está a acontecer na Catalunha. Também na Eslovénia se havia convocado um referendo em Dezembro do ano anterior. Os resultados haviam sido uma esmagadora maioria de eslovenos (88,5%) a pronunciar-se pela independência, com a afluência às urnas a ultrapassar os 90%. As reacções a esse referendo que foram então assumidas pelo governo e exército federais sedeados em Belgrado assemelham-se às atitudes a que temos vindo a assistir em Madrid: como se pode ler num despacho da Associated Press da época, o governo federal jugoslavo «rejeitava», ainda antes da sua realização, «o referendo na Eslovénia e anunciava a adopção de medidas (não especificadas) para assegurar a preservação da integridade do país».
Contudo, demonstrando o que parece ser uma tolerância (fraqueza?) superior à de Mariano Rajoy, as autoridades eslovenas apareciam nessa notícia em condições de assegurar que o governo federal jugoslavo se comprometera com elas a não accionar o exército para que este tentasse impedir a realização da consulta eleitoral. Apesar desse compromisso, em pleno parlamento jugoslavo o vice-ministro da Defesa, almirante Brovet, anunciava que as forças armadas estavam prontas para agir «de acordo com a Constituição jugoslava» e que aqueles que, na Eslovénia, «pensam de forma diferente, estão enganados». (Disto ainda não se assistiu em Espanha: altas patentes militares a aproveitar a ocasião para engrossarem a voz.) O paralelo com a situação catalão completa-se com o acolhimento unânime e contrário da comunidade internacional à secessão eslovena: a posição formal dos Estados Unidos e dos países da União Europeia iam no sentido da preservação da unidade jugoslava. Como é recorrente nestas ocasiões, o argumento económico era o mais evocado: há sempre o caso das consequências do seccionamento do comércio interno que passa a externo e as previsões pessimistas do impacto disso no padrão de vida do país secessionista, neste caso esloveno estimado numa queda de 20 a 30%. (Acrescente-se que as previsões nunca incidem sobre o padrão de vida daqueles que ficam...) Ao fim e ao cabo, o menos importante de todo o processo de secessão da Eslovénia terá sido mesmo a guerra, denominada Guerra dos Dez Dias.
Causou algumas dezenas de mortos, umas centenas de feridos, mas percebe-se que não foi travada com muito empenho do lado jugoslavo. Mas, se há muitos aspectos que assemelham os exemplos esloveno e catalão, há também alguns outros aspectos que os distinguem, a começar pela consistência da expressão do referendo, a terminar pela conjuntura internacional. A secessão da Eslovénia (a que se seguirá a da Croácia e das outras repúblicas da Jugoslávia) aconteceu sob a dinâmica da própria desagregação da União Soviética que estava, por si só, a provocar uma reconfiguração das fronteiras do Leste da Europa. A Jugoslávia que então se desagregava era um regime comunista, sem qualquer tradição de práticas democráticas, ao contrário do que agora acontece em Espanha. Onde ontem apareciam os generais e os seus blindados, aparecem agora os juízes e as normas constitucionais. Mas parece-me que existiu uma certa ingenuidade das democracias da Europa ocidental ao promoverem a reconfiguração das fronteiras do Leste da Europa (além deste caso jugoslavo, o caso da União Soviética ou então o caso da Checoslováquia) mas acreditando que as consequências iriam ficar por ali. Os exemplos da Bélgica, da Escócia ou agora da Catalunha (para já) mostram o quanto estavam errados. Acresce a isso que estes precedentes passados servem também para compreender que o que hoje parece tremendo pode ter tendência para cicatrizar rapidamente: a Eslovénia é membro da União Europeia desde 1 de Maio de 2004. Sobre a situação catalã actual, em concreto, só não é possível acrescentar mais nada porque, por detrás da irritação dos catalães em não os deixarem ser consultados (culpa de Rajoy), torna-se difícil perceber qual será a sua vontade (que bem poderá não ser a de Puigdemont).
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