(Republicação)
14 de Novembro de 1943. Nesse dia de há 80 anos o grande couraçado USS Iowa (46.000 toneladas) navegava em pleno oceano Atlântico, a umas 50 milhas a Oriente das Bermudas, transportando um conjunto de passageiros muito especiais: o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, acompanhado dos seus conselheiros políticos e militares mais próximos: o secretário de Estado Cordell Hull e o conselheiro pessoal Harry Hopkins, os generais Marshall e "Hap" Arnold, os almirantes Leahy e King. Depois de uma primeira viagem ao outro lado do Atlântico que fora feita em avião, para a conferência de Casablanca de Janeiro de 1943, desta vez, para se vir a encontrar no Cairo com Churchill e Chiang Kai-shek e depois em Teerão com Churchill e Estaline, o presidente Roosevelt preferira viajar de uma forma mais relaxada, aproveitar nove dias de viagem até ao Mediterrâneo para descansar. O preço a pagar eram nove dias em que era preciso gerir o seu desaparecimento (e o dos seus colaboradores próximos) de Washington DC. O USS Iowa navegava sob um silêncio rádio absoluto. Mas, à tarde, e também para entretenimento dos convidados ilustres, o USS Iowa e os navios que o escoltavam iniciaram um conjunto de exercícios em alto mar.
Começou-se pela demonstração da precisão das anti-aéreas, derrubando balões previamente largados. Lá furaram os balões. Depois o exercício passou para os torpedos e aí é que as coisas se vieram a revelar memoráveis. Um dos navios da escolta, o destroyer USS William D. Porter (2.050 toneladas), largou involuntariamente um torpedo real dirigido ao USS Iowa que, naquele dia, transportava toda a elite político-militar norte-americana... Seguiram-se alguns minutos bastante tensos. Os do USS William D. Porter tiveram que romper o silêncio rádio para que o USS Iowa se apercebesse o que lhes haviam enviado e adoptasse manobras evasivas para evitar o torpedo, muito embora os relatos digam que o presidente, ao ser informado da situação, ganhou um interesse acrescido nas manobras e pediu até a um dos membros dos serviços secretos que o empurrasse na sua cadeira de rodas até às amuradas, para ver directamente o torpedo que poderia atingir o navio onde viajava! Felizmente para a história dos Estados Unidos, as manobras evasivas foram suficientes e o torpedo acabou por detonar a uma distância segura, à popa do USS Iowa.
Todo o calafrio durara uns meros quatro minutos - os diários de bordo registam o incidente entre as 14:36 e as 14:40 locais. Ironicamente, e por causa do secretismo de que a viagem se revestia, a tripulação do USS William D. Porter ignorava que "fizera pontaria" para um navio onde viajava o presidente dos Estados Unidos! Uma história, que bem pode ser apócrifa, atribui ao general Arnold uma pergunta irónica dirigida ao almirante King logo após o fim do incidente, quando este último estava naturalmente furioso com tudo o que acontecera: «Isto convosco, na Marinha, é sempre assim tão animado?...» Mas, as ironias não se ficaram apenas pela rivalidade tradicional entre soldados e marinheiros, porque, no próprio ramo e depois de se saber do incidente, o USS William D. Porter passou a ser saudado pelos outros navios da frota com o cumprimento brincalhão: «Não disparem! Somos republicanos!*» A piada não perdurou porque o USS William D. Porter acabou por ser afundado por um kamikaze em 10 de Junho de 1945. Mas interessa constatar que, embora fosse conhecido pelos do meio o incidente de há 80 anos, aquele momento em que estiveram para afundar o navio onde viajava o presidente dos Estados Unidos só veio a ser oficialmente assumido pela US Navy em 1970.
* O presidente Roosevelt fora eleito pelo partido democrático.
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