04 novembro 2023

A "CASSETTE" COMPLETAMENTE ESTRAGADA DE ÁLVARO CUNHAL

4 de Novembro de 1983. O pretexto para a convocação de uma conferência de imprensa do PCP era a apresentação das teses para o X Congresso daquele partido que se iria realizar no mês seguinte no Porto. Contudo, a presença do próprio secretário-geral Álvaro Cunhal nessa conferência de imprensa era sinal que ali se iriam discutir assuntos muito mais interessantes que essas soporíferas teses. O documento tinha 62 páginas, explicava o devotado Diário de Lisboa, o «comité central introduziu 800 emendas», e quem estivesse mesmo interessado que as fosse lá ler. Em contraste, no corpo do artigo e sobre a táctica que os comunistas adoptariam para os anos imediatos, começava por se ler logo que «...qualquer apoio do PCP à candidatura de Mário Soares às presidenciais de 1985 "é questão excluída" afirmou Álvaro Cunhal», que «..."o ambiente que se respira" no seio do partido não é de molde a prever a mínima hipótese de apoio à corrida de Soares para Belém».

Mais adiante lia-se: «...Cunhal adiantou que Mário Soares "aparece na conjuntura presente como o mais provável candidato da direita, que a direita procurará fazer eleger, seja com um apoio conjunto logo à primeira volta, seja à segunda volta, depois de apresentar outros candidatos à primeira». Noutro parágrafo mais baixo, um jornalista voltava ao tema das presidenciais: «Ainda a propósito desta questão, um jornalista presente colocou a hipótese de na primeira volta surgirem apenas como candidatos Soares e Freitas do Amaral. Que posição então a do PCP? Engolir novos sapos?» «De qualquer modo, o líder comunista considerou o cenário Freitas do Amaral - Soares "muito pouco provável" e aludiu ao trabalho que já está a ser feito para que surja um candidato que - repetiu - dê garantias de "defender o regime democrático, assegurar o funcionamento das instituições e fazer cumprir a legalidade democrática"».

Quem sabe aquilo que veio a acontecer nas eleições presidenciais de 1985, já se apercebeu que Álvaro Cunhal nesta conferência de imprensa se enganou em tudo. As eleições presidenciais portuguesas foram decididas numa segunda volta onde se enfrentaram precisamente Freitas do Amaral e Mário Soares. Os comunistas tiveram que fazer uma reviravolta de 180º e apoiar Soares, engolindo os tais sapos a que o jornalista aludira. E Cunhal teve que se contentar com Soares como garante da defesa do regime democrático e de fazer cumprir a legalidade democrática. Se as intervenções políticas dos comunistas, que eram tradicionalmente desprovidas de qualquer cunho pessoal ou imaginação, ficaram colectivamente conhecidas no jargão político como as cassettes (acima, à direita), esta deve ter sido uma das cassettes mais estragadas que Álvaro Cunhal transmitiu aos portugueses.

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