11 julho 2022

O «MATCH» DO SÉCULO

Há alguns países da Europa que sempre foram considerados mais intrinsecamente “neutrais” durante a Guerra-Fria: a Áustria, a Finlândia (que foi escolhida para o local de assinatura da Acta de Helsínquia em 1975), a Suíça…e a frequentemente esquecida Islândia. Norte-americanos e soviéticos escolheram a capital islandesa, Reiquiavique, para local da realização da Cimeira que juntou Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan em Outubro de 1986 mas já antes disso a cidade fora escolhida para local da realização do Campeonato Mundial de Xadrez que começou em 11 de Julho de 1972, há precisamente 50 anos.
Essa edição de 1972 do Campeonato Mundial de Xadrez enquadrava-se perfeitamente no espírito da Guerra-Fria que era então uma constante da situação internacional: um norte-americano contestava pela primeira vez o título a um soviético, quando os jogadores de origem soviética haviam dominado hegemonicamente aquela disciplina nos últimos 45 anos. Era uma história cheia de potencial, daquelas declaradamente inspiradas em David contra Golias, mas infelizmente o xadrez deve ser das modalidades mais exigentes para aqueles que a queiram acompanhar.
Contornando isso, a cobertura noticiosa da comunicação social ocidental estava repleta de fait-divers para que aqueles que queriam acompanhar o match por clubismo mas não percebessem nada de xadrez ficassem com a sensação que estavam a par do assunto. E, contando com a complexa personalidade do concorrente norte-americano, Bobby Fischer (1943-2008 - acima), os torcedores não podiam ficar menos desapontados com essa cobertura periférica sobre o que estava a acontecer em Reiquiavique. Fischer começou logo por faltar à cerimónia de abertura e por pedir mais dinheiro…
Na verdade, o que os ocidentais queriam evitar mostrar à sua opinião pública era que o seu campeão era um geek (acima). Em contraste, a imagem do seu opositor Boris Spassky (1937- ) era muito mais favorável (abaixo), nada conforme com a do russo patibular com ar de espião da Guerra-Fria. No tabuleiro contudo, depois de perder as duas partidas iniciais (e a segunda foi perdido por falta de comparência…), Fischer venceu a terceira, quinta, oitava, décima, décima terceira e vigésima primeira partidas (contra apenas a 11ª partida para Spassky), vencendo o Campeonato com 12½ pontos!
Mas isso foi o que aconteceu em Reiquiavique. Porque aquilo que eu recordo com mais nostalgia sobre este acontecimento eram os comentários sobre a partida do dia que eram incluídos no telejornal da noite, comentários esses feitos por um mestre português de seu nome João Cordovil (abaixo, à esquerda), que durante o torneio se tornou numa presença televisiva regular, explicando o que acontecera com o recurso a quadros idênticos aos que se podem ver na imagem abaixo. Pergunto-me se no actual panorama televisivo poderia haver espaço para um programa desse mesmo género...

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