Entre os argumentos que me quiseram apresentar sobre a absolvição para a iniciativa da invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, contou-se a evocação de uma palavra que quem o fez pretendia mágica: «Realpolitik». Vladimir Putin limitava-se a aplicá-la... Na verdade, considero que a dita «Realpolitik» tem mais ressonância jornalística do que substância académica, são mais os jornalistas que a vão buscar para título dos seus artigos generalistas do que a vejo aproveitada em artigos em revistas especializadas como a «Foreign Affairs». Contudo, e por uma vez, e para chatear os putinistas que se têm socorrido dela, vou utilizá-la num cenário contra a Rússia. Para nos começarmos por debruçar nas consequências do que foi a desagregação da Jugoslávia a partir de 1991 (mapa acima). Trinta anos depois, pode-se concluir com segurança, à luz da tal «Realpolitik», que a estabilidade política e militar em toda a região balcânica só se conseguiu alcançar quando a Sérvia foi suficientemente desbastada - com a perda do Kosovo (1999) e do Montenegro (2006) - para que os seus líderes perdessem as suas pretensões hegemónicas para a reconstrução de um espaço nacional sérvio, quando quiseram destruir as fronteiras pré-existentes da antiga Jugoslávia. Aparentemente, e apesar de estarmos a referir-nos a uma escala completamente diferente - a Sérvia tem 7 milhões de habitantes, a Rússia 20 vezes isso (142) - os estrategas ocidentais que professem também dessa mesma "Realpolitik" já devem ter chegado à mesma conclusão quanto ao que há que fazer à Rússia. Também a Rússia se recusa a aceitar as fronteiras que herdou da antiga União Soviética. E embora neste caso a tarefa seja muito mais difícil de implementar (titânica mesmo!), há de não perder de vista o objectivo de pretender desbastar o que resta do império russo, o preciso reverso em "Realpolitik" daquilo que Vladimir Putin pretenderá reconstituir com a "Realpolitik" dele. A Rússia é um estado centralizado mas heterogéneo - contém 21 repúblicas nacionais, falam-se mais de 100 idiomas - que facilmente se desmancha num mosaico de autoridades rivais quando de um colapso da autoridade central, como se viu ainda há cem anos, quando da guerra civil que levou os bolcheviques ao poder (1917-22). E, para ver quanto isso foi frequente e continuado no passado da Rússia, vale a pena olhar para este mapa abaixo, de como era a Rússia no século XIV (1328), retalhada numa dúzia de principados (uma configuração que se prolongou do século XI até quase aos finais do século XV quando Moscovo assumiu a preponderância), um mapa que as versões nacionalistas russas normalmente se «esquecem» de publicitar. Em "Realpolitik", pacificar o Leste da Europa e constatado o fracasso da política de apaparicar um déspota como Putin, talvez passe por esvaziar ainda mais o poder de um centro moscovita, fomentando a decomposição da Rússia... Recorde-se que foi o objectivo de Adolf Hitler, outro grande praticante da "Realpolitik".
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